tgaspar
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Re:Qualidade e Equidade em Educação - 06/06/06 15:06
O meu depoimento tem por base uma suspeita. Bem, estou consciente de que uma suspeita não é matéria suficiente para tirar conclusões seguras. Por isso, as minhas conclusões devem ser tomadas como provisórias. Então qual o interesse disso? Porventura nenhum, porém em minha defesa declaro que essa minha suspeita tem um contorno experiencial. Pois bem, sou professor do ensino secundário e tenho mais de trinta anos de serviço. É dessa experiência que tiro a minha suspeita de que o sistema educativo português falha sobretudo no terceiro ciclo. Ora, ora, a velha pecha do alijar de responsabilidades! Responsabilizar um ciclo em que não lecciono e que directamente antecede aquele em que lecciono(sou professor de Filosofia, disciplina que só é leccionada no secundário) é fácil e assemelha-se a um sacudir de água do capote. Mas para afastar a ideia de que essa seja a minha intenção, vou fazer um esforço de clarificar o meu ponto de vista. Verifico, com frequência que alguns alunos com quem trabalho, no décimo ano de escolaridade, recém aprovados no terceiro ciclo, apresentam graves deficiências comportamentais no que concerne a hábitos de trabalho. Verifico que ficam à espera de que a solução seja dada pelo professor; que, em trabalhos de grupo, se limitam a fazer cópias dos textos da bibliografia justapondo-os, sem a noção de que isso não se conforma a trabalho de grupo nem tão pouco a trabalho original; e alguns até não distinguem o espaço de aula do espaço de convívio. Em suma, um grupo considerável dos alunos que frequentam o décimo ano não tem ainda adquiridos, ao fim de nove anos de escolaridade obrigatória, correctos hábitos de trabalho e de participação na aula. E não me refiro a esporádicas atitudes de descompressão ou até uma que outra atitude impertinente que a idade potencia; trata-se de algo mais estrutural que impede a aquisição de conhecimentos e o amadurecimento, em tempo útil, que permita acompanhar com sucesso a dificuldade dos programas do secundário. Neste particular, e no respeitante à Filosofia, por exemplo, as divergentes atitudes revelam a diferença de aproveitamento. Como estes alunos têm habitualmente 15 anos, e às vezes até 14, quando iniciam o 10º Ano, o grau de abstracção de certos conceitos cria-lhes algumas dificuldades. Porém, os alunos que têm hábitos de trabalho bem adquiridos progridem a ponto de recuperarem ao longo do ano. Os outros não. Escudam-se na dificuldade e desistem imediatamente. Mas que tem isto que ver com o terceiro ciclo? E como é que uma intervenção a este nível pode alterar este estado de coisas, que não sendo geral, é suficientemente alargado para pedir intervenção? Aqui especulo um pouco, e a solução que proponho gostaria de a ver discutida, mas porventura experimentada em ambiente restrito. Os alunos atravessam o terceiro ciclo entre os 12/13 e os 14/15 anos, idade de transformações profundas a nível psico-somático. Nesta altura, no nosso sistema educativo, estes alunos já estão a frequentar disciplinas independentes geridas por diferentes professores. Ou seja, não obstante haver um Director de Turma que coordena a Turma como grupo, ficam os alunos em boa medida entregues a si mesmos. Respondem a cada professor em separado. O cômputo da situação far-se-á em momentos distanciados de avaliação. Mas não serão eles ainda muito novos, e sobretudo, atendendo à situação de mudança de crescimento, demasiado desamparados para que assumam assim a responsabilidade de se auto-orientarem? Ligo isto sobretudo àqueles alunos cujos encarregados de educação, por razões várias, não os acompanham no quotidiano escolar. Não seria desejável alterar esta situação? Pois bem, é no pressuposto de que valeria a pena intervir neste ponto que proponho uma solução, que afinal nada tem de original. Trata-se apenas de prolongar a gestão grupal das matérias disciplinares no terceiro ciclo, reduzindo assim o número dos professores de cada turma deste ciclo e aproximando-os mais dos alunos. Eu sei que uma proposta destas tem vários inconvenientes porque, entre outras alterações, mexe com a orgânica das habilitações e formação da docência. Por isso, para além de a ver discutida, creio que teria interesse saber se há por essa Europa fora alguma experiência deste tipo. E, caso se julgue de interesse avançar para ela, que nunca se a aplique sem que antes seja testada em restrito ambiente experimental. É que já anda toda a gente farta de «inovações» na escola. Sobretudo porque os investimentos duplicam, as reformas sucedem-se e os resultados mantêm-se com um nível de insucesso elevado. Fecho por ora esta minha contribuição para o debate em curso. O que me faz intervir é o desapontamento. Já atravessei várias reformas e ilusões. De tal modo que até receio fazer propostas. E, no entanto, algo tem que mudar, se for para melhor. Mas já não alimento grandes ilusões. Esta escola é a escola deste país, cada vez mais incapaz de sair da cauda da Europa. Porém resignar-se a esta fatalidade é desistir de lutar.
Voltarei!
Luís Ladeira,
professor da Escola Secundária Braamcamp Freire, Pontinha
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