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O inglês e a ameaça à cidadania europeia - 14/06/06 18:06 Um sistema educativo refém de interesses externos

Na minha primeira intervenção neste debate – no tema Educação e Equidade – referi de passagem que a má situação da escola portuguesa é comparável à má situação da república portuguesa no contexto europeu, isto é, que a dificuldade de reduzirmos o insucesso escolar é paralela à dificuldade de colarmos o país ao pelotão dos países parceiros da União Europeia. Esta comparação é apenas a constatação de um facto. Haverá, no entanto, alguma relação de causa-efeito? Andaremos nós na cauda da Europa por causa da escola que temos?
Não será, porventura, uma hipótese a rejeitar, se bem que não me atreva a entrar por aí, dada a complexidade das variáveis que a enformam.
O actual governo, parecendo perceber essa correlação, lançou mão duma medida que colheu a unanimidade (ou quase) dos portugueses – a introdução do estudo do Inglês no primeiro ciclo de estudos, qual santo e senha para o futuro desenvolvimento económico do país. E fê-lo dentro duma lógica quase irrefutável. Se o Inglês é uma língua universal, se as transacções internacionais económicas, científicas, etc. se fazem por meio do inglês, então há que desenvolver grandes competências nesta área para podermos aspirar a essa círculo de eleição. Suspeito mesmo que os defensores mais tenazes da senha do inglês acreditam que ela é a varinha mágica do nosso futuro, aquela que nos abrirá, em definitivo, as portas da Europa.
O curioso desta «irrefutável» lógica é que ela assenta na destruição da União Europeia! Sem disso se darem conta, ao defender tal opção, os seus fautores estão a destruir o projecto europeu. Crêem, porventura, que estão a estabelecer as bases da comunicação europeia, mas se a União Europeia subsistir será na base duma igual dignidade das suas culturas, isto é, sem subalternizar umas a outras. Donde se pode deduzir que nenhuma língua de um estado membro poderá exercer o papel de língua comum da UE. Mas é isso que o governo, com a medida da generalização do Inglês, está a tentar fazer.
E haverá mesmo necessidade de uma língua comum? Poderá ela ajudar à identidade europeia? É imprescindível essa identidade? Questões complexas, admito, mas às quais é possível aliar, desde logo, uma constatação: que se uma língua comum pode ajudar à identidade europeia, essa língua não poderá ser a de um estado membro, sob pena de destruir os fundamentos dessa identidade. E isso é tanto mais sério quanto sabemos que uma língua não é um mero meio de comunicação. É também um veículo cultural.
No tempo dos impérios (ainda o será?), estes organizavam-se em redor da língua do imperador, assim imposta aos vários povos. Mas isso não serve como referência para o projecto duma União Europeia assente na igual dignidade das culturas (incluindo necessariamente as línguas como seus veículos). Aqui é a diversidade cultural que se deve impor. Então como criar uma identidade através da diversidade, isto é, como unir a Europa sem recorrer à imposição de um modelo cultural, veiculado por uma língua étnica? A questão deveria ser discutida (não apenas em Portugal, é claro) até para se saber se a “opção” que o governo “impôs” às escolas tem de facto interesse para Portugal, no quadro da União Europeia.
Pelas razões atrás aduzidas, parece óbvio que com esta medida o governo está a contribuir para a estagnação da UE. E a contribuir alegremente (inconscientemente?) para os cofres do Reino Unido, os quais arrecadam anualmente milhares de milhões de euros em venda de livros (escolares e outros), em programas de ensino de Inglês para os milhares de visitantes aportam à Grã Bretanha para estudarem a língua e no fraco investimento do seu sistema educativo no ensino de línguas estrangeiras.
Quem assim nos impõe o Inglês aceita menorizar o Português na Europa. Não há reciprocidade no ensino das línguas com tal estratégia. Afinal, queremos construir uma nova Europa ou submeter-nos à lei do mais forte? Estaremos perante um equívoco estratégico ou uma deliberada acção de enfeudamento aos interesses anti-europeus?
E por que razão o sistema de ensino português tem de ser refém desta estratégia?

Luís Ladeira
Professor do ensino secundário

Item editado por: Luís Ladeira, em: PM/06/21 23:06

Item editado por: Luís Ladeira, em: PM/06/21 23:06
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Re:O inglês e a ameaça à cidadania europeia - 23/06/06 02:06 Penso que a introdução do Inglês em nada prejudica a cultura nacional, e ajuda ao progresso e competitividade, como podemos observar no exemplo da Suécia.

Entretanto, devemos dar muito mais atenção à aprendizagem de Português, a começar pelo ciclo primário, senão todo o esforço de ensinar o Inglês resultará apenas em tempo e dinheiro perdido, sem qualquer resultado útil, pois um aluno que nem a própria língua sabe usar bem, nunca aprenderá uma estrangeira. E mais, um aluno com dificuldades sérias na aprendizagem de Português sempre seria prejudicado pela carga adicional apresentada pelo Inglês, e baralhado ainda mais do que já foi, embora sem necessidade nem utilidade.
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