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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 05/12/06 18:12 AVISO À COMUNIDADE EDUCATIVA
Embrutecimento, educação e outras reflexões


O SUCESSO

Num tempo em que todos nós, professores, andamos naturalmente preocupados com as nossas carreiras, e em que uma série de direitos que pareciam certos são postos em causa, muitos deles de forma abusiva (para não dizer antidemocrática), parece ter ficado para segundo plano aquilo que me parece ser fundamental, ou seja, procurar estratégias e soluções para os problemas de que a nossa sociedade, de uma maneira geral, e a escola em particular, enfermam. Claro está que o Ministério da Educação quer fazer passar a ideia de que tudo isto está a ser feito em prol do sucesso. Gostava de entender a que sucesso se refere o Ministério e que verdadeiras medidas pedagógicas estão a ser implementadas pelos iluminados Senhores. Que eu me tenha apercebido, a única medida de carácter pedagógico emanada nos últimos tempos, não vai para além das aulas de substituição que, mesmo não sendo uma ideia nova, foi imposta de forma atabalhoada e, pelos vistos, a necessitar já de reformulações (imagine-se).
Ora, na minha modesta opinião, um dos grandes problemas da escola actual não está tanto relacionado com a estrutura da carreira dos professores, mas mais com o currículo, as metodologias pedagógicas e com a forma como a escola /instituição está organizada.
Neste sentido, penso que a maior preocupação do Ministério não deveria ter sido transformar-nos em “bodes expiatórios” ou nos principais responsáveis pelos problemas actualmente existentes na escola, mas antes rodear-se do conhecimento produzido por inúmeros investigadores nacionais e, porque não, internacionais, procurando soluções pedagógicas e de organização institucional adaptadas à realidade do nosso país, deixando para trás aquele olhar estúpido e encantado com o sucesso dos nórdicos que dificilmente pode ser adequado à nossa realidade.
Compreendo as preocupações ministeriais de querer fazer transparecer a ideia de que se está a operar uma revolução no sistema de ensino - a curto prazo dá votos e ilude a opinião pública de que o caminho trilhado é fundamental. Quem não gosta de ver os lobbies instalados postos em causa? Claro está… desde que não seja o nosso lobbie. No entanto, o que em breve vamos concluir, quase de certeza, é que o almejado sucesso não vai acontecer e lentamente tudo há-de voltar à normalidade (falsa normalidade) sem que nada de fundamental tenha mudado realmente. Neste contexto sinto-me como Carl Solomon num poema de Allen Ginsberg:

(…)“Estou contigo no manicómio de Rockland
onde és mais louco do que eu
Estou contigo no manicómio de Rockland
onde deves sentir-te muito estranho” (…)


DERRUBAR PAREDES

É mais que sabido, e sobretudo, sentido e vivenciado, por qualquer professor que efectivamente “dê aulas” que algo vai mal com a escola. Todos os dias (sem excepção) nos damos conta da falta de empenho e desinteresse dos alunos pelo conhecimento veiculado pela escola. Interessa assim, antes de mais, reflectir se o problema é dos alunos, se é dos professores, se de uma forma mais abrangente é da sociedade ou se é da escola como instituição. Qualquer um também poderá facilmente concluir que o problema está em cada uma destas partes que por sinal são inseparáveis, mas que se encontram neste momento particularmente desorganizadas como se de um puzzle em início de construção se tratasse.
Daqui talvez possamos inferir que para que as coisas possam funcionar é necessário levar a cabo reformas estruturais que só terão resultados a médio/longo prazo e que as medidas fundamentais a realizar, no que à escola diz respeito, estão na sua reorganização interna e na implementação de estratégias pedagógicas adequadas à sociedade presente e futura. Para isso, parafraseando OLGA POMBO, é necessário que literalmente se “derrubem paredes”:
• A nossa escola não pode mais estar estruturalmente organizada em torno do cubículo, por sinal bastante oprimente da sala de aula – temos que sair para a rua com os nossos alunos e colocá-los em interacção com o meio, ou seja, partir da realidade para os contextos estruturantes do saber;
• As metodologias de ensino e principalmente os currículos têm que ser adaptados às necessidades da sociedade actual e dos diferentes alunos que temos actualmente na escola – nem todos os alunos têm que adquirir conhecimentos que apenas são exigidos aos alunos que querem ir para a universidade;
• A escola como organização moderna que deveria ser, terá que se agilizar e deixar de ser o monstro burocrático que é actualmente, passando muito deste processo de agilização pela autonomia das mesmas. Uma escola do Porto ou de Lisboa é necessariamente diferente de uma escola do Peso da Régua, daí que uniformizar é nivelar por baixo;
• Compreender que o conhecimento não é um formato específico que serve a qualquer pessoa. Diferentes públicos correspondem a diferentes necessidades a que a escola terá que dar resposta. Em suma e citando o físico russo, Lev Landau “Quanto menos informações inúteis colocarmos na cabeça dos nossos alunos, mais espaço sobrará para as grandes ideias”;
• O lugar do conhecimento não pode mais estar única e exclusivamente na cabeça dos professores ou dos manuais que estruturam o estudo dos alunos. No nosso tempo o problema não é o acesso ao conhecimento, mas antes saber o que fazer com ele.
• O processo tecnológico é irreversível e não pode mais ser um acessório no processo de ensino/aprendizagem, mas antes, passar a fazer naturalmente parte integrante do mesmo.

Perguntar-se-ão como se operam estas mudanças essenciais?
Eu direi: com o empenho de todos, sendo livres-pensadores e abertos à mudança. Sobretudo, com governantes que não olhem para a agenda política e compreendam definitivamente que todas as transformações necessitam de tempo e devem ser aplicadas de forma segura e gradual. Seria interessante começar pelo início, ou seja, pelos primeiros anos de ensino e gradualmente alargá-las aos anos de ensino mais avançados; Seria necessário que existissem no ministério menos políticos e mais investigadores nacionais (e porque não internacionais) de reconhecidos méritos, transferindo o conhecimento das prateleiras bolorentas das faculdades e colocando esse conhecimento ao serviço da sociedade. Quando falo de investigadores no ministério, não me refiro apenas a pedagogos, mas também a sociólogos, psicólogos, antropólogos, filósofos, economistas, etc.


O CONHECIMENTO SÓ EXITE VERDADEIRAMENTE QUANDO É PARTILHADO

Diz-se muitas vezes, e com razão, que a maior parte do conhecimento produzido pelas universidades é pouco mais que, vão desculpar-me o termo, “masturbação intelectual” encerrada em grossos “calhamaços” a amarelecer as suas esforçadas páginas nos arquivos das diferentes faculdades. Por ser muitas vezes verdade, por o autor deste texto não se rever minimamente nesse processo e por tudo que tem sido dito até agora, trago para aqui, para a ordem pública, algumas questões levantadas por um estudo realizado recentemente. Não que o autor tenha vontade de se promover, como talvez alguns possam pensar, mas porque acredita que o conhecimento só faz realmente sentido quando é partilhado com um alargado número de pessoas.

MENTALIDADE COLECTIVA

As aptidões básicas requeridas pelos novos empregos na sociedade do conhecimento estão já sobejamente identificadas. São elas a capacidade de abstracção, o pensamento sistémico, a experimentação (saber fazer) e a colaboração. Ora a escola dos nossos dias, como é sabido, ainda não está a preparar os seus alunos para este desafio. E o que é interessante ver é que dentro da própria escola já é notório esse desconforto, que se traduz nos constantes maus resultados obtidos por muitos alunos. A maior parte das vezes, e numa análise escandalosamente superficial, acaba por se imputar as culpas aos próprios alunos, aos professores e à família. Não deixando isto de ser verdade, o problema maior é como vimos outro, e bem mais pertinente como ponto de partida para uma reflexão séria, que é o problema estar na própria escola como instituição e naquilo que nos vamos atrever a chamar de “mentalidade colectiva”. Como disse EDGAR MORIN, “Não se pode reformar a instituição sem ter previamente reformado os espíritos, mas não se pode reformar os espíritos se previamente não se reformarem as instituições”. É precisamente neste impasse que estamos actualmente.
A instituição escola é uma máquina pesada muito difícil de manobrar e onde cada centímetro de deslocação é conquistado a par e passo. Ora o nosso tempo não se compadece com a lentidão, é antes um tempo marcado pela velocidade, que agora já não se baseia na mecânica ou no motor de combustão, mas na informação e no conhecimento.
As sucessivas mudanças em todas as áreas da sociedade, acarreta dificuldades de acomodação/adaptação, ou pode mesmo excluir todos aqueles que não estejam munidos das ferramentas próprias que lhes permitam “sobreviver” no seu veloz desenrolar. Por isso a escola, sendo ainda uma instituição estruturante na formação dos indivíduos, terá que se adaptar rapidamente ao novo paradigma, agilizando-se como instituição e tornando-se numa escola que aprende, para usar as palavras de PETER SENGE. A escola do futuro só vai continuar a existir se contribuir realmente para a preparação dos indivíduos para a vida activa de uma forma multidimensional, ou seja, desenvolvendo integralmente o indivíduo. Para isso antes das pedagogias e mesmo antes das tecnologias, precisamos de uma instituição, versátil, criativa e pró-activa onde todos os seus actores sejam uma peça fundamental na engrenagem.
O que vemos actualmente é uma engrenagem pouco oleada que fornece aos seus clientes um produto fora de validade. O ensino não pode mais basear-se na figura central do professor, como transmissor quase exclusivo do saber e a avaliação dos alunos não pode mais basear-se quase exclusivamente em dados quantificáveis. É claro que é necessário saber matemática, saber Português ou Inglês, mas porque será que os alunos têm tantas dificuldades? Serão os alunos de hoje menos inteligentes que os do passado? Claro que não.


A ESCOLA CONSTRUTIVISTA E ROMÂNTICA

O agora muito conhecido investigador NUNO CRATO, veio explicar-nos a todos nós que as ideias construtivistas e românticas (imagine-se) têm contribuído para o total falhanço educativo que está a formar uma imensa quantidade de analfabetos. Apesar de, no seu livro, realmente existirem muitos aspectos com que concordo plenamente, não posso concordar com a ideia de que a pedagogia construtivista é a responsável por todos os males do ensino. Se o investigador em causa tivesse leccionado numa escola regular do ensino básico ou secundário iria facilmente perceber que as nossas escolas de construtivista não têm nada, bem pelo contrário, salvo uma ou outra experiência esporádica, estão bem arreigadas na visão secular do ensino. Como pode algo que nunca existiu, pelo menos de forma sistemática, ser culpado do que quer que seja? O investigador defende ainda que a escola não deve estar aberta a soluções pedagógicas milagrosas e que o melhor é aproveitar o que de bom já existe e fazer uma adequação gradual às novas realidades. Não poderia concordar mais com o autor. Realmente nem as soluções milagrosas existem, nem a sociedade está preparada para mudanças bruscas.


A TECNOLOGIA E A ESCOLA

No contexto, do que dissemos no ponto anterior, pensamos que as novas tecnologias, não querendo ser milagrosas, podem dar uma ajuda e contribuir em boa parte para novas práticas pedagógicas mais adequadas à realidade contemporânea. Claro que ainda existe um longo caminho a percorrer, sobretudo no que diz respeito às metodologias mais adequadas ao seu uso e ao desenvolvimento de plataformas de ensino mais robustas. Há também um longo caminho a percorrer na verdadeira disseminação das tecnologias pela escola e pela sociedade. Mas o desafio maior é, com certeza, transformar a tecnologia numa ferramenta realmente activa no processo de ensino/aprendizagem e contribuir para que esta deixe de ser entendida como um “brinquedo” ou apenas uma “experiência” e se torne numa ferramenta tão vulgar como o quadro negro. Ou seja, que a tecnologia seja uma verdadeira extensão do homem e que a usemos não fascinados por ela em si, mas pelas potencialidades educativas que fornece.


A INTERDISCIPLINARIDADE

Todos os dias vimos os nossos alunos perdidos, e diria mesmo angustiados (não estou a falar dos alunos despreocupados, estou a falar daqueles que se interessam) com as exigências propostas por cada professor no fabuloso universo curricular constituído por cerca de treze disciplinas. Cada professor tem as suas exigências (naturais) e percorre o ano lectivo sem que uma vez se tenha interrogado nas relações possíveis da sua disciplina com as restantes. Ora interroguemo-nos como pode isto ser possível, como podemos querer que os alunos se deixem fascinar pelo conhecimento. Como podemos querer que os alunos fiquem preparados para usar esse conhecimento na sua natural interacção com a realidade. Como poderão os alunos estar preparados para resolver problemas concretos. Que conhecimentos utilizáveis eles têm realmente – eu diria que muito poucos. A cada passo surgem artigos de opinião e estudos que provam que os alunos saem da faculdade sem que estejam preparados para trabalhar. Eu próprio conheço casos concretos de gente “bem formada” que me diz - não sei para que tive de estudar estes anos todos, tive que reaprender tudo de novo lá na empresa onde trabalho.
Sem querer aqui aprofundar esta questão que nos levaria muito longe, fica no ar este ponto de partida, que reflectirei mais em profundidade no próximo número do jornal Perspectiva.


Para terminar este já longo artigo, vamos recorrer às palavras de EDGAR MORIN, que tão bem definem parte da missão da escola e sobretudo dos docentes na sociedade de hoje:
• Fornecer uma cultura que permita distinguir, contextualizar e globalizar;
• Preparar os espíritos para responder aos desafios que coloca, à condição humana, a complexidade crescente dos problemas;
• Preparar espíritos a enfrentar as incertezas que não param de crescer, não só fazendo-lhes descobrir a história incerta e aleatória do Universo, da vida, da humanidade, mas favorecendo neles a inteligência estratégica e a aposta num mundo melhor;
• Educar para a compreensão humana entre próximos e afastados;
• Ensinar a afiliação ao país, à sua história, à sua cultura, à cidadania republicana, e introduzir a afiliação à Europa;
• Ensinar a cidadania terrestre, ensinando a humanidade na sua unidade antropológica e as suas diversidade individuais e culturais.


ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, Manuel (2002), A sociedade em rede, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Vol.I
CASTELLS, Manuel (2004), A Galáxia Internet, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
CRATO, Nuno (2006), O ‘Eduquês’ em discurso directo, Lisboa, Gradiva.
MORIN, Edgar (2002), Reformar o Pensamento, A Cabeça Bem Feita, Lisboa, Instituto Piaget.
POMBO, Olga (2004), Interdisciplinaridade: Ambições e limites, Lisboa, Relógio d’Água Editores.
SENGE, Peter et al (2005), Escolas que aprendem, Porto Alegre, Editora Artmed
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Escolas, Professores e Outros Profissionais
Quiron 17/06/06 14:06
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ima 17/06/06 21:06
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ruimjorge 06/10/06 14:10
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Maria G. 10/01/07 15:01
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ruis 18/06/06 15:06
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antoniofigueiredo 25/07/06 23:07
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Quiron 26/07/06 10:07
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antoniofigueiredo 31/07/06 14:07
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Quiron 31/07/06 15:07
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Maria Goreti 12/08/06 16:08
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FSAD 18/10/06 21:10
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jbsimas 03/01/07 01:01
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Quiron 20/12/06 11:12
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Lia 06/08/06 17:08
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metaveira 11/08/06 01:08
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James 20/10/06 21:10
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custodia 03/11/06 20:11
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Rita Tavares 25/11/06 10:11
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artur 05/12/06 18:12
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jogsilva13 16/12/06 22:12
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sequeira 17/12/06 23:12
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jafundo 19/12/06 12:12
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sequeira 18/12/06 21:12
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Celia 27/12/06 19:12
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sequeira 18/12/06 21:12
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sequeira 18/12/06 22:12
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sequeira 19/12/06 21:12
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sequeira 30/12/06 17:12
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Modesto Vitória 18/01/07 10:01