re:escolas, professores e outros profissionais |  forum
 
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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 11/08/06 01:08 Sou professora do ensino secundário (F.Q.). Ando nervosa. O sentimento dominante é a impotência. Não mereço. NÃO O MERECEMOS.

Se, de facto, queremos mudar o cenário na Educação, comecemos pela raiz. O fruto está a apodrecer.

Leia-se o texto de LIA (Natália Marques) para se perceber o que se passa. Não será necessário fazer uso de teorias pedagógicas fedorentas… Basta – na prática – reduzir (bastante) as turmas, reduzir o pretensiosismo dos programas (as flores) e aumentar a exigência (apostando nas sementes).

É gritante a falta de requisitos básicos – perfeitamente exigíveis e teoricamente previstos – que necessariamente devem ser adquiridos em tempo de escolaridade obrigatória.
Não será a escola a instituição que oferece – pelo treino continuado – as ferramentas que usamos ao longo da vida?

Ora os alunos que completaram o 9º ano não conseguem concentrar-se, tomar atenção (o que torna ainda mais penosas as aulas de 90 minutos…), não só porque não foram habituados desde o início, mas sobretudo porque não detêm os conhecimentos suficientes para serem cativados e quererem saber mais.

Curiosidade é uma qualidade sem mais valia actualmente.
Curiosidade e entusiasmo, precisamente o motor de qualquer acção voluntária.
A indiferença e a passividade e, portanto, o tédio, reinam entre os nossos alunos.

Talvez por estarem endemicamente ligados ao Estado Novo, há faculdades que foram totalmente desprezadas, como por exemplo, – a capacidade de memorização – patente, designadamente, no desconhecimento da tabuada, das reduções a múltiplos e submúltiplos, das conversões de unidade, dos quadrados perfeitos, das áreas e dos volumes de sólidos regulares, das datas que nos servem de ancoradouro e de referência para a construção de qualquer corpo de conhecimentos (etc., etc., etc..).

No que se refere à nossa língua-mãe (e, para os mais poetas - a nossa pátria….) os níveis de expressão oral e escrita (frases cada vez mais curtas usando um vocabulário de um domínio cada vez mais apertado) e de interpretação (evidente até na leitura dos enunciados dos problemas) atingem limites impensáveis.

A matemática, a mais “mal amada” – sofre de sintomas de iliteracia galopante: o raciocínio dedutivo elementar é arduamente conquistado, assim como os cálculos que envolvam mais do que uma ou duas operações sucessivas. Passo a passo, titubeantes, e com a ajuda da “regra de 3 simples” – a praga que infesta a minha disciplina – lá vão cantando e rindo sob o olhar condescendente dos pais que – sempre pela via mais leviana, por fácil demais –, nos atribuem a culpa de não sabermos ensinar.
A matemática, de seu étimo, aquilo que se aprende, está relegada para os mais “dotados” - dá trabalho: é preciso fazer exercícios, vejam lá!

Abstracção? nem pensar! pois que um dos maiores problemas que se coloca aos nossos alunos é resolver uma “fórmula” em ordem a uma das variáveis independentes (nunca literalmente; sempre depois de substituídas todas as variáveis…).


A facilidade com que se cumpre a escolaridade obrigatória – 9 anos de estudo – é demonstrada na falta de hábitos de trabalho, de métodos de estudo e de treino de aceitação de desafios. Os meus alunos não sabem estudar pelo manual que os pais, por vezes com alguma dificuldade, compraram logo em Setembro, “exigindo” apontamentos (sublinhados a várias cores) que substituem a leitura aborrecida de tantas letras juntas……

Se a integração de conhecimentos em um todo uno requer uma razoável maturidade que não está completamente atingida (teoricamente; na prática é um facto consumado que o grau de maturidade e de autonomia está a diminuir) em tempos de secundário, a verdade é que sem conhecimentos (soltos, desgarrados e mesmo engavetados e estanques) é impossível construir qualquer formação académica.

Assiste-se, sem armas para combater, a uma desqualificação crescente da população.
Ainda por cima, temos de suportar que nos sejam apontadas responsabilidades pela falta de educação, de formação e de conhecimentos. Tudo isto, é certo, é suposto aumentar na Escola. Mas devia começar e ser acompanhado em casa. Mas não é!
Este desinteresse e indiferença é fartamente subsidiado pelo nível cultural e socio-económico decrescente, a impunidade de actos condenáveis, o não reconhecimento de actos louváveis, o peso, o espaço e o tempo que a televisão ocupa nos lares portugueses, o vazio do conteúdo dos media, o sensacionalismo das notícias, o acesso a jogos criativos mas viciantes, a perda de hábitos de leitura (numa geração!), o processo em que se cumpriu a massificação do ensino, a indisponibilidade afectiva e efectiva (temporal) dos pais, ao número de pais divorciados, a não responsabilização dos alunos perante os pais, a escola e a sociedade, conduziram a que o sistema educativo seja considerado mais um serviço prestado pelo Estado a utentes cada vez menos cientes da sua cidadania e cada vez mais utentes armados de direitos mas raramente de deveres.

Estas circunstâncias exigem não só uma análise mas também uma actuação sistémica que não estão ao alcance (pelo menos directo) do professor. Neste domínio, as acções possíveis, terão, necessariamente, uma resposta social muito lenta que não permite a mudança que se nos revela urgente.

Na Escola, os professores do ensino secundário deparam-se com enormes dificuldades que não sabem evidenciar para possível tratamento e resolução. Somos uma classe apática, quiçá também manipulável pelo Ministério que nos tutela e pelos sindicatos que apenas oferecem uma oposição política (q.b.) em vez da contribuição para a melhoria das condições de trabalho verdadeiramente necessárias à classe que supostamente representam.

No entanto, há medidas de difícil decisão (pela coragem que exigem) mas de fácil execução – basta um simples decreto com várias alíneas:

a) Proibição de reprovar a Português e a Matemática (e História?)já que são instrumentos que traduzem o que nos vai na alma, na mente, no pensamento, no coração e até no bolso. A sua aplicabilidade iniciar-se-ia para alunos que se inscrevam no 1º ano do ensino Básico a partir de um determinado ano lectivo (por favor o de 2006/2007!). 12 anos depois, será bem-vindo o 12º ano como escolaridade obrigatória. Nunca antes.

b) Realização de exames nacionais como conclusão de cada Ciclo (1º, 2º, 3º - todos os alunos e Secundário – todos os alunos (?)).
A aferição de conhecimentos é indispensável não existindo um processo melhor do que este (analogia da democracia como melhor regime?!?)
A dispensa dos mesmos dever-se-ia considerar já que funciona como uma justa recompensa para aqueles que se esforçaram o suficiente para tal. Poder-se-ia, eventualmente, exigir o exame de 12º apenas àqueles que demonstrassem vontade de continuar o seu percurso académico (descongestionava o trânsito…).

c) Abolição da avaliação contínua.
É natural, se acompanhamos um aluno durante, pelo menos, um ano lectivo, que a sua avaliação seja contínua. É lógico. Está para além de qualquer imposição. O problema surge quando, por variadíssimas razões, uma cada vez maior minoria não realiza um percurso regular. Desempenhos descontínuos não concordam com avaliação contínua. O espartilho da avaliação dita contínua penaliza e sobrevaloriza sistematicamente, perpetuando, assim, uma possível situação de sorte ou azar. Para além disso, promove uma atitude de mau aprendiz (leia-se “xico-esperto” – figura de que Portugal é pródiga) pois que o aluno, sabendo muito bem que a circunstância lhe é favorável, aprende a gerir o seu desempenho em função das classificações já obtidas. Ainda pesa o facto de retirar o direito de se gostar mais de uma determinada parte da matéria (e no neste caso, de Física ou de Química) e demonstrar mais valor independentemente de passados ou de futuros.

d) Abolição da avaliação de 1 a 5 no Ensino Básico.
Além de promover uma falsa igualdade atentatória do progresso individual (emulação saudável nunca fez mal a ninguém…), desmotivando os alunos mais conscientes (maioritariamente integrados num cenário familiar estável), mascara dificuldades que de outro modo não podem ser evidenciadas. Um 7 não é igual a um 9, assim como um 14 não é igual a um 16!).
É estranho, se não pouco inteligente, que esta avaliação (detentora de tão pouca precisão) esteja a ser utilizada precisamente no período de mais difícil adaptação e em que a aferição dos vários conhecimentos é determinante para realizações futuras.

e) Diminuição do poder reinante das ditas “Ciências” da Educação.
Estamos fartos da sua linguagem (em jargão – o “eduquês”) oca em conteúdo e pródiga em forma que impõe uma pedagogia (à laia de ciência) desajustada, aborrecida e, sobretudo, não eficaz. Porque se o tivesse sido o panorama não seria este.
Não é difícil errar. Até é humano… O difícil é aprender com os erros e revertê-los a nosso favor. Tentativa e erro – outro método científico emprestado a quem quer ser ciência. Que se faça uma análise científica e se tirem conclusões, também elas, científicas.

Acabemos com as “estratégias de remediação”! (até o computador assinala o erro…)
Um início saudável de vida raramente precisa de remédios sistemáticos; apenas de ajustamentos e de algumas adaptações. Vacinemo-nos.

Apesar de esta medida exigir um apreciável investimento económico, atrevo-me a propô-la:

f) Criação de escolas técnicas e profissionais alternativas.
Atendendo à vontade, habilidade, capacidade e até arte de trabalhar com as mãos, fundar-se-iam escolas para formar uma carteira de profissionais qualificados tão necessários ao país.
Além de substituir o sistema de mercado paralelo de “biscates nacionais sem factura” e sem possibilidade de controlo, seria um processo honroso de dignificar todas as profissões (que tal um móvel único, de qualidade ímpar realizado por um bacharel carpinteiro?) Só poderemos primar pela qualidade pois que pela quantidade, logicamente, não conseguimos.

Programas extensos e ambiciosos (não de per si, entenda-se, mas por suporem um background razoável) que não comportam o tempo que devíamos dedicar ao laboratório, salas de aula feias, frias no Inverno e quentes na Primavera, já com mobiliário desajustado na sua volumetria, turmas grandes e heterogéneas (em Espanha, reduziram o número de alunos/turma – benefício evidente na aprendizagem e diminuição do desemprego dos professores – será que não podíamos copiar?!?), e um nunca mais acabar de outros factores, contribuem para que a energia se degrade, i.e., diminua o prazer de aprender e de ensinar.



Contribuem para a ilusão de se poder viver do dever cumprido prestando o serviço de ensinar utentes filhos de outros utentes de outros serviços constituintes de uma sociedade cada vez mais mercantilista.

Recusemo-nos a ser mais um na linha de montagem destes tempos pós-pós-modernos. Depois de enformados é só fatiar e embalar. Estamos prontos a ser consumidos.

Consumidos é uma palavra suave para traduzir o que me vai na alma: A nova aposta na Educação é apenas um processo de poupar dinheiro.

Respeitem-nos.
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Escolas, Professores e Outros Profissionais
Quiron 17/06/06 14:06
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ima 17/06/06 21:06
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ruimjorge 06/10/06 14:10
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Maria G. 10/01/07 15:01
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ruis 18/06/06 15:06
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antoniofigueiredo 25/07/06 23:07
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Quiron 26/07/06 10:07
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antoniofigueiredo 31/07/06 14:07
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Quiron 31/07/06 15:07
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Maria Goreti 12/08/06 16:08
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FSAD 18/10/06 21:10
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jbsimas 03/01/07 01:01
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Quiron 20/12/06 11:12
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Lia 06/08/06 17:08
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metaveira 11/08/06 01:08
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James 20/10/06 21:10
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custodia 03/11/06 20:11
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Rita Tavares 25/11/06 10:11
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artur 05/12/06 18:12
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jogsilva13 16/12/06 22:12
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sequeira 17/12/06 23:12
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jafundo 19/12/06 12:12
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sequeira 18/12/06 21:12
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Celia 27/12/06 19:12
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sequeira 18/12/06 21:12
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sequeira 18/12/06 22:12
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sequeira 19/12/06 21:12
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sequeira 30/12/06 17:12
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Modesto Vitória 18/01/07 10:01