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Dignificar os professores, quando? - 04/11/06 00:11 Estarei enganada? Quantas gerações são necessárias para repor a dignidade de um professor?

“Num país em que a ocupação geral é estar doente, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber curar” - Afonso da Maia, personagem de Os Maias na obra de Eça de Queirós.
Imagino o que Afonso da Maia diria se o seu neto, Carlos da Maia, tivesse escolhido ser professor “Num país em que a ocupação geral é aprender, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber ensinar”. Mas... e se Afonso da Maia entrasse nas nossas escolas? Ficaria deveras confuso, penso eu, e talvez dissesse “Num país em que a ocupação geral é o divertimento, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber divertir”. Não diria? Sei lá, estou deveras confusa! A minha imaginação parece voar nas asas de uma mosca que chafurda nos restos putrefactos daquilo que outrora conheci como sendo escola. Escola que, agora, é cada vez mais um lugar onde se circula no fio da navalha, espaço que mais parece infectado de bactérias resistentes a qualquer tratamento. Estarei enganada? Envergonho-me...
Qual das artes é a mais sublime: curar, ensinar ou divertir? A discussão pode não ter fim e, necessariamente, dependerá de pontos de vista e conveniências pessoais e ocasionais. Será um disparate pensar nestas questões, ou talvez não! Eu também pensava que era um absurdo perder tempo a discutir se a morte interessa a alguém até ler “As Intermitências da morte” de José Saramago...
Carlos da Maia falhou na arte de curar, eu sinto-me fracassar na arte de ensinar, tenho que experimentar a arte de divertir... mas será certo que terei insucesso porque nunca aprendi a fazê-lo, nem quero! Pois... Como posso aprender se não estou interessada? É impossível ensinar a quem não quer aprender. Até posso pensar que aprenderia se tivesse um bom professor... Pois, talvez a culpa seja do professor. Assisto diariamente a actos de demissão de responsabilidades; como é tão fácil. Talvez eu já não tenha idade, talvez, talvez..... “as uvas estão verdes, só os cães as podem tragar....” quem não conhece esta história? Como se adia qualquer esforço de ânimo leve quando não se é penalizado por isso! Talvez a vida se encarregue de nos ensinar, talvez da pior maneira, talvez quando já não há capacidade para desenvolver esse esforço....Talvez quando já não houver remédio, quando já não for o tempo nem o espaço para o fazer!
É que há um tempo para aprender determinadas artes! “É um facto biológico que o canto que um pardal aprende na sua juventude é o seu canto para a vida. Nós humanos não somos muito diferentes” (in Deus e a Ciência, Gerald Schroeder, 1999). E a escola, que vejo transformada num lugar de entretenimento, qual empresa de organização de eventos e ocupação de tempos livres, deveria ser o palco de promoção de esforços que culminassem em aprendizagens para a vida. Mas... é lá que a juventude vai bebendo uma cultura que privilegia o lazer em detrimento do esforço, tal é a promiscuidade entre o que devia ser e o que não devia. É lá que se cultiva o doce sabor da ausência de culpa pelo incumprimento de responsabilidades, porque é lá, onde se devia exigir no espaço e no tempo certos, que tudo se desculpa.
Claro que os professores serão eternamente os culpados! São eles que são julgados na praça pública, que não trabalham, que têm férias todo o ano; são eles os réus nos bancos do tribunal de família de tal forma que se os alunos são bons isso deve-se .... ainda não sei a quem, a ele próprio, ao explicador (quando o tem) mas se são maus deve-se ao professor. Os alunos, esses, têm sempre muito trabalho, estudam sempre muito... os professores pensam que eles não têm mais nada para fazer, pedem trabalhos, e mais trabalhos...E a vida não é só a escola! Há uma minoria para quem a prioridade é a escola. Os alunos não conseguem responder a tantas solicitações mas... saltam das aulas para explicações, e mais explicações! Eles que se queixam com uma carga horária excessiva, de facto ficam sem tempo para dedicar ao lazer (se não se divertem agora quando o irão fazer?) e ao estudo individual. Mas é o professor o culpado de tudo! Sim, pois permite alunos na aula que só perturbam quem quer ensinar e quem quer aprender, admite a presença de alunos que dormitam, fazem desenhos, dizem obscenidades, ou pior que isso, autoriza o incumprimento na pontualidade e na assiduidade mediante justificações que são mentiras à frente dos seus próprios olhos e com a conivência de todos... mas também é crucificado se expulsa das aulas estes alunos, se exige trabalho neste tempo e neste espaço, se não baixa o nível de exigência e se assume que o aluno não sabe quando erra a resposta.
Só temos a escola que todos construímos, alicerçada em areias movediças, onde se vai cedendo e cedendo sempre no sentido da mediocridade; enquanto isso a qualidade das aprendizagens vai “caindo e caindo sempre na razão directa do quadrado dos tempos” (António Gedeão). A responsabilidade está moribunda, o rigor e a exigência foram de férias, o reconhecimento de que a escola é um local de trabalho é qualquer coisa do outro mundo... Como eu desejava ter ouvidos cegos e olhos surdos!
Qual das artes é a mais sublime: curar, ensinar ou divertir? A importância de cada uma vence nos espaço e tempo próprios para que ninguém se envergonhe do exercício da sua função.
Talvez um dia eu volte para dizer que já não me envergonho da escola actual! Talvez um dia eu saiba de alguma homenagem (póstuma) ao professor!
Faça o que fizer, o professor vai ser sempre o único culpado por falhar na arte de ensinar; dessa falha resta a certeza de que no futuro não mais cantarão os pardais! Nem num milhão de gerações, o respeito pelo professor será reposto se permanecer a actual postura dos órgãos (supremos) da educação, enquanto não se reconhecer publicamente que ensinar também é uma arte sublime!

Maria Goreti
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