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Reflexões sobre a escola actual - 04/11/06 00:11 O que se ensina e o que se aprende na escola não terá necessariamente um efeito imediato e visível no comportamento dos alunos. Talvez por se esperarem resultados imediatos em educação e, mais grave ainda, aqueles resultados que cada um espera obter, é que muitos sistemas educativos estarão votados ao fracasso. Mas questiono se estão definidos objectivos, normas de conduta e metodologias que possam orientar a vida nas escolas.

O pedagogo progressista John Dewey era a favor de uma escola onde os interesses dos estudantes fossem incluídos nos objectivos das práticas escolares a ter lugar nas salas de aula, reconhecendo como obrigação da escola preparar/educar para a vida.
O entendimento que se possa fazer do que é a educação para a vida pode, contudo, encerrar uma visão muito pobre do que de facto deveria ser essa educação; tanto mais pobre quanto mais se confundir com uma missão implícita de
• conseguir uma continuidade de normas e valores dominantes, definidos e defendidos pelos grupos sociais que têm mais poder na sociedade adulta,
• formar alunos que aprendam a interiorizar valores, competências e conhecimentos que os conduzam a perpetuar acrítica e irreflectidamente as estruturas sociais vigentes,
• deixar de definir objectivos educacionais aguardando que sejam determinados pelos comportamentos e interesses manifestados pelos alunos em cada instante.

A verdade é que, de acordo com P. W. Jackson (in Santomé, 1995), “Quase todos os alunos aprendem a concentrar-se numa coisa e a prestar atenção quando assim lho ordenam, a refrear a sua fantasia enquanto decorre a aula.” Seja qual for a função (in)definida, explicita ou não para a educação que se pretende nas escolas, esta disponibilidade dos alunos é extremamente importante pois o aluno terá que fazer uso dela em muitos contextos extra-escolares, no mundo do trabalho, e é bom que comece já a exercitá-la! A passagem da sala de aula para o mundo do trabalho será mais fácil para quem desde muito cedo desenvolveu hábitos de trabalho, e a escola deveria ser uma promotora desse desenvolvimento, não no fim da escolaridade mas desde o primeiro contacto com a mesma.
Não tenhamos dúvidas, cada aluno dedicar-se-á, por uma vez que seja, a outra actividade em sala de aula que não a planeada pelo professor: “dissimular o não cumprimento, isto é, enganar”, diz P. W. Jackson (in Santomé, 1995). E vamos deixar de os desculpar com o argumento de que também já fomos alunos! Ou será que as salas de aula são centros de remissão de pecados? Se o são é melhor fechar as escolas! A demissão da nossa função de educadores é o caminho mais cómodo, as consequências são desastrosas, e as maiores vítimas são os alunos! Não tenhamos ilusões.

Mas a escola não é dona de tudo, por si só não determina os resultados em educação nem a reprodução dos modelos de sociedade vigentes. Alunos provenientes de diferentes contextos culturais e económicos responderão de maneira diferente às solicitações da escola. Professores que desenvolvem metodologias de trabalho diferentes das dos seus pares esperam (melhores) resultados diferentes... Os resultados que a escola espera obter são condicionados por muitos factores, grande parte de origem exterior à escola, incluindo factores de ordem moral e cívica. Seja como for....

Em minha opinião os resultados em educação estão a revelar que algo não vai bem, ao nível do desenvolvimento do conhecimento científico, dos comportamentos e não só.
A escola está a falhar o que é revelado “sobretudo na incapacidade para desenvolver competências de escrita que levem os alunos a formular frases bem articuladas, sintacticamente correctas, sem erros ortográficos e com o emprego rigoroso dos conceitos” (Marques, 1998). Por outro lado parece-me que ao transmitir aos alunos, e respectivas famílias, a ideia de que tudo é permitido na escola, e que é nessa permissão que reside o bem estar dos alunos, a escola está a vincar a ideia de que a existência de um código de conduta não faz sentido (nos dias de hoje!) e, com isto, a promover comportamentos de irresponsabilidade nos jovens. Já não é claro para mim qual é a função da escola, qual é o papel do aluno e o do professor, temo que não se distinga mais uma sala de aula de uma esplanada de café (na maneira de ser e de estar)...
Não será por acaso que nas mesas das salas de aula os telemóveis, os discmans, a bolsa dos CD´s... e o peluche de infância tomam o lugar dos livros e dos cadernos! Não é por acaso que as mãos não mais se ocupam com canetas ou lápis para tirar apontamentos, ou para fazer outro trabalho nas aulas, mas com as teclas dos telemóveis escondidos e silenciados nos bolsos, tal íman e ferro... E aqueles headphones pendurados não sei onde desesperados por ouvir o toque de saída para regressarem aos tímpanos.... Também não é por acaso que os alunos conhecem tão bem todas as funções dos telemóveis, mas desconhecem as das suas máquinas de calcular (isto poderia não ser assustador se eles tivessem um bom domínio do cálculo do mais elementar que fosse), dominam tão bem a linguagem SMS mas não a escrita da nossa língua, nem o discurso oral (pior ainda quando é prioritário pedir licença à chiclete entre cada duas palavras de uma frase), aprendem rapidamente a lidar com o serviço de chat mas com ferramentas como o Word o Excel, e outras, é uma grande dor de cabeça!... Será casual que os alunos nunca tenham tempo para carregar o cartão de acesso aos serviços da escola (necessário para satisfazer algumas necessidades básicas), nem dinheiro para uma fotocópia que o professor solicite, mas que tenham sempre tempo e dinheiro para bens [essenciais] como alguns já referidos? As dispersões na sala de aula são enormes! Começa a parecer um quarto de brinquedos... As mochilas guardam o quê? Telemóveis, discmans, bolsa dos CD´s enquanto os alunos perguntam em cada inicio da aula se o livro vai ser necessário para saberem se o têm que ir buscar ao cacifo! Os livros dormem na escola, e seria bom que assim fosse se até à hora de ficarem a dormir os alunos tivessem dado o uso devido aos mesmos! O cumprimento do horário de entrada em sala de aula é algo a cair em desuso, ao contrário do cumprimento da hora de saída (sim, pois os alunos têm direito ao intervalo! Excepto quando precisam dele para prolongamento de um teste... aí é um dever do professor conceder-lhe mais uns minutos..., e um direito do aluno...).
Não invejo a ligeireza com que os alunos lidam com a tecnologia que hoje têm à sua disposição, ainda bem que a têm, mas assusta-me a falta de agilidade e disponibilidade para usufruírem dela em beneficio do desenvolvimento e construção do seu conhecimento, bem como a falta de discernimento para saberem onde e quando é oportuno fazerem uso diferenciado de cada uma. Preocupa-me que quase todos os alunos conheçam tão bem os seus direitos mas poucos conheçam os seus deveres!
A escola está transformada num centro de recreio, qual centro de dia para jovens... onde tudo parece mais importante que as aulas.

Não tenhamos dúvidas, cada aluno dedicar-se-á, por uma vez que seja, a outra actividade em sala de aula que não a planeada pelo professor e, possivelmente, nem por ele próprio: fingir que está atento, isto é, enganar.
Goreti
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