Quiron
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Escolas, Professores e Outros Profissionais - 17/06/06 14:06
Esta árvore discute o conteúdo do artigo: Escolas, Professores e Outros Profissionais
Toda a gente cita, a propósito de quase tudo, a frase de Tomasi di Lampedusa: «é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma». Geralmente atribuem a frase à personagem principal d'O Leopardo, o Príncipe de Salina, quando a personagem que a profere é o sobrinho deste, Tancredo - que com ela granjeia a desconfiança e a incompreensão da aristocracia decadente e bronca que o rodeia mas obtem o respeito, se não mesmo a admiração, do tio.
É nesta frase que eu tenho pensado mais perante as medidas já tomadas e anunciadas pela Senhora Ministra da Educação. Quem se propuser mudar alguma coisa na educação para tudo ficar na mesma, tem muito por onde fazê-lo.
Os problemas enumerados pelo discurso oficial são problemas reais, não são inventados: há professores bons, maus e péssimos, e não se faz distinção entre eles; a gestão das escolas é corporativa; não se trabalha por objectivos definidos; não se responsabilizam os alunos, nem os pais, nem, suficientemente, os professores; não se definem nem se aferem objectivos, e portanto ou não há avaliação, ou a que há é arbitrária.
Do mesmo modo poderíamos enumerar muitos outros problemas, que como estes são reais e como estes acessórios, a que o discurso oficial tende a não se referir, et pour cause. Também eu me dispenso de os referir aqui, até porque toda a gente sabe quais são.
Resolver estes problemas - mesmo admitindo que todos eles são passíveis de solução cabal - terá como consequência principal, (para lá dum pequeníssimo efeito paliativo e do efeito positivo no marketing político do governo) não só a manutenção, como o agravamento dos vícios essenciais no sistema. E nestes a Senhora Ministra não quer tocar, como não quiseram ou não puderam tocar os seus antecessores.
São dois, só dois, os vícios essenciais do sistema:uma filosofia educativa oficial que roça o charlatanismo; e a tentação sempre presente de os governos se servirem das estruturas educativas para a prossecução de políticas públicas que são muitas vezes meritórias e necessárias, mas não são educativas.
Daqui resulta que eu, professor de inglês e alemão, sou solicitado a convencer os portugueses a não fumarem, a não conduzirem em excesso de velocidade, a respeitarem a polícia, a manifestarem-se contra o racismo, a protestarem contra as centrais nucleares, a comerem mais verduras, etc.
Como cidadão, estou pronto a ajudar em todos esses esforços, ou pelo menos naqueles com os quais concordo. Como professor preferia, francamente, que me deixassem fazer aquilo que sei e de que gosto, que é ensinar inglês e alemão.
O que nos traz à questão de saber o que é um bom professor. É aquele que sabe o que ensina e ensina o que sabe? Ou é aquele que se desdobra em «actividades» cujos objectivos nao são definidos nem definíveis, cujos resultados não são observáveis, e que não podem portanto ser avaliadas a não ser pelo tempo que com elas se gasta (ou perde)?
É bom que pensemos nisto quando falamos em avaliar os professores. E já agora é bom que tornemos a pensar quando chegar o momento de avaliar a Senhora Ministra.
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ima
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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 17/06/06 21:06
Tive o prazer de assistir a uma palestra do Dr. Rubem Alves que contou as suas aventuras enquanto professor em início de carreira, e uma das questões que colocou a si próprio nessa altura foi: porque é que em vez de falarmos do insucesso, não falamos de como podemos contribuir para um sucesso ainda maior e que seja possível a todos os alunos? Porque é que a Sra. Ministra em vez de criticar os professores e lhes impor uma carreira sem prespectivas algumas, não apresenta propostas de programas decentes que se coadunem com a realidade dos jovens de hoje. Nem todos pretendem seguir carreira universitária, ainda mais que Portugal está a ficar com uma taxa altíssima de licenciados desempregados.Há que criar programas com curriculos alternativos para o actual mercado de trabalho e acima de tudo aliciantes. Os professores esses só precisam de ser encorajados pela sua ministra e apoiados pelos pais. Bem hajam ... Quiron escreveu: Esta árvore discute o conteúdo do artigo: Escolas, Professores e Outros Profissionais
Toda a gente cita, a propósito de quase tudo, a frase de Tomasi di Lampedusa: «é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma». Geralmente atribuem a frase à personagem principal d'O Leopardo, o Príncipe de Salina, quando a personagem que a profere é o sobrinho deste, Tancredo - que com ela granjeia a desconfiança e a incompreensão da aristocracia decadente e bronca que o rodeia mas obtem o respeito, se não mesmo a admiração, do tio.
É nesta frase que eu tenho pensado mais perante as medidas já tomadas e anunciadas pela Senhora Ministra da Educação. Quem se propuser mudar alguma coisa na educação para tudo ficar na mesma, tem muito por onde fazê-lo.
Os problemas enumerados pelo discurso oficial são problemas reais, não são inventados: há professores bons, maus e péssimos, e não se faz distinção entre eles; a gestão das escolas é corporativa; não se trabalha por objectivos definidos; não se responsabilizam os alunos, nem os pais, nem, suficientemente, os professores; não se definem nem se aferem objectivos, e portanto ou não há avaliação, ou a que há é arbitrária.
Do mesmo modo poderíamos enumerar muitos outros problemas, que como estes são reais e como estes acessórios, a que o discurso oficial tende a não se referir, et pour cause. Também eu me dispenso de os referir aqui, até porque toda a gente sabe quais são.
Resolver estes problemas - mesmo admitindo que todos eles são passíveis de solução cabal - terá como consequência principal, (para lá dum pequeníssimo efeito paliativo e do efeito positivo no marketing político do governo) não só a manutenção, como o agravamento dos vícios essenciais no sistema. E nestes a Senhora Ministra não quer tocar, como não quiseram ou não puderam tocar os seus antecessores.
São dois, só dois, os vícios essenciais do sistema:uma filosofia educativa oficial que roça o charlatanismo; e a tentação sempre presente de os governos se servirem das estruturas educativas para a prossecução de políticas públicas que são muitas vezes meritórias e necessárias, mas não são educativas.
Daqui resulta que eu, professor de inglês e alemão, sou solicitado a convencer os portugueses a não fumarem, a não conduzirem em excesso de velocidade, a respeitarem a polícia, a manifestarem-se contra o racismo, a protestarem contra as centrais nucleares, a comerem mais verduras, etc.
Como cidadão, estou pronto a ajudar em todos esses esforços, ou pelo menos naqueles com os quais concordo. Como professor preferia, francamente, que me deixassem fazer aquilo que sei e de que gosto, que é ensinar inglês e alemão.
O que nos traz à questão de saber o que é um bom professor. É aquele que sabe o que ensina e ensina o que sabe? Ou é aquele que se desdobra em «actividades» cujos objectivos nao são definidos nem definíveis, cujos resultados não são observáveis, e que não podem portanto ser avaliadas a não ser pelo tempo que com elas se gasta (ou perde)?
É bom que pensemos nisto quando falamos em avaliar os professores. E já agora é bom que tornemos a pensar quando chegar o momento de avaliar a Senhora Ministra.
Item editado por: mariamatos, em: PM/06/18 22:06
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ruis
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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 18/06/06 15:06
Subscrevendo grande parte das afirmações do Quiron, entendo que a dificuldade em definir o perfil do Professor prende-se também com aquilo que tem sido a prática do nosso sistema educativo: é aquele indivíduo que, por dispor de um relacionamento privilegiado com grupos de alunos (turmas) é usado para por em prática um sem número de actividades, substituindo-se por vezes a outros profissionais. Vejamos por exemplo a questão da educação sexual: a dado momento, há uns anos, o Ministério da Educação, à sombra da tão aclamada transversalidade de determinados conteúdos afirmou a sexualidade como área temática que poderia ser abordado por todos os docentes no âmbito das suas disciplinas; isto num momento em que a sociedade, ou certos sectores dentro dela, entendiam que o assunto era (e é) uma lacuna nos curricula do nosso sistema educativo. Os Professores têm competência científica na área da sua formação e competência pedagógica nessa mesma área ou em parte dela. Por isso julgo que o Professor deve ser aquele que "sabe o que ensina", já que competência científica não é tudo, é necessária também a pedagógica, os docentes não estão habilitados a ensinar tudo aquilo que sabem. Aos longo dos anos o Ministério da Educação, em vez de optar por soluções realistas em relação aos objectivos pretendidos, tem lançado mão dos Professores como “pau para toda a colher” para a sua implementação. As medidas têm tido sempre como objectivo a contenção de despesas, sempre à custa do trabalho dos Professores, sem a dotação dos meios materiais necessários: revisões do sistema educativo que raramente passaram do papel, reformas de gabinete feitas por pessoas sem qualquer noção da realidade escolar do país e que redundaram em nada, para os alunos; porque para os Professores resultaram num acréscimo de burocracia, responsabilidades e de frustração, quando as medidas implementadas não resultavam. E passemos a um exemplo: em determinada altura, no 3.º ciclo, os alunos que indiciassem perigo de retenção passaram a ser alvo de um “plano de recuperação”; na prática: nas escolas onde leccionei, o Psicólogo escolar estava sempre tão assoberbado de trabalho que só podia apresentar os resultados das avaliações que lhe eram pedidas relativamente a esses alunos muito tempo depois, já fora de “tempo útil”; mesmo que propuséssemos alunos para sala de estudo a esta ou àquela disciplina na qual tinha dificuldades, já sabíamos que só haveria a Português e a Matemática, pois o Ministério não dava crédito horário suficiente às escolas para poderem abrir salas de estudos a mais disciplinas; além disto, muitas turmas de aproveitamento fraco têm o mesmo número de alunos que turmas com aproveitamento normal ou elevado, isto é dizer, de 26 a 28 alunos. Perante este panorama, vemos que a expressão “contenção de custos” tem tido primazia sobre a expressão “qualidade da educação”. Não pretendo com isto dizer que os Professores se devam limitar ao exercício de actividades para as quais têm formação pedagógico-científica; considero sim que a formação que tem sido levada a cabo pelos docentes tem de ser levada a sério e esses docentes devem usar de facto a formação que obtiveram e que obtiverem; só que para fazer isso é preciso investir nas escolas, melhorando as infra-estruturas, pagando a um maior número de profissionais, docentes e outros, para desempenharem as novas funções exigidas a uma escola adequada à sociedade dos nossos dias e que responda às crescentes solicitações que lhe são feitas. Por outro lado, a formação a realizar pelos docentes tem de ser adequada às necessidades das escolas e das actividades que as mesmas necessitam de implementar. Muita dessa formação ultrapassa o âmbito científico fornecido pelas Escolas Superiores de Educação e outros estabelecimentos do ensino superior, distantes da realidade vivida nos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário, e que têm feito pressão para chamar a si as tarefas que têm sido realizadas pelos Centros de Formação. De facto, as Escolas Superiores de Educação sofrem, tal como os outros níveis de ensino, dos efeitos da redução da natalidade e do excesso de licenciados nos cursos que ministram, o que faz “minguar” o número de alunos nas turmas… Agora, resta saber se, quando se fala em interesses corporativos no ensino, se está a excluir o ensino superior. Repito, é preciso investir, e não anunciar aos sete ventos mudanças, apontar culpados, incendiar consciências, nomear novos protagonistas… e continuar a “usar” a prata da casa num programa de mudanças do foro administrativo e da gestão de recursos que não vão permitir atingir os belos objectivos falados. A mudança tem de ter um carácter global e sistemático.
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antoniofigueiredo
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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 25/07/06 23:07
"Mais do que qualquer taxonomia (cognitiva, psicomotora, afectiva) que olhe apenas uma área da educação, de forma fragmentária, deve-se tender para um sistema de objectivos em que estejam incluídas todas as manifestações da vida humana no seu processo de aperfeiçoamento. Na base da relação que liga os diversos componentes da tarefa educativa, pode-se afirmar que qualquer actividade pedagógica, para que alcance a sua plenitude, deve proporcionar algum conhecimento (conteúdo) - especulativo ou prático -, desenvolver alguma aptidão (capacidade) e promover algum valor (atitude). Ao englobar os objectivos de educação num sistema - justificado pelos estudos correlacionais pertinentes -, opera-se implicitamente a unidade do processo educativo, a plena realização do homem [Victor Garcia Hoz, Pedagogia Visivel y Educacion Invisible, Rialp].
Para Garcia Hoz, o professor ao trabalhar com os alunos a aquisição dos conteúdos das áreas curriculares (conhecimentos), promove igualmente, através das actividades escolares, o desenvolvimento da capacidades e valores. Do seu ponto de vista, é na actividade do aluno, que se alcançam os objectivos educativos, é com o seu trabalho bem feito que adquire os conhecimentos, as capacidades e os valores formulados nos objectivos.
E objectivos e competências não são termos antagónicos, mas ângulos de visão diferentes das mesmas realidades; enquanto o objectivo realça a intencionalidade educativa, a competência acentua a acção educativa.
Pessoalmente agrada-me ter como finalidade educativa a educação integral; para isso torna-se indispensável atender à totalidade da pessoa do aluno pelo que, na sequência do pensamento de Garcia Hoz, entendo que como professor devo esforçar-me por conseguir a unidade do acto educativo, que se obterá respondendo na prática pedagógica a três questões fundamentais:
- O que saber? (conhecimentos) - Como fazer? (Processos) Como deve ser? (Atitudes)
Um professor não poderá descurar estas três dimensões da aprendizagem, sem as quais a formação do aluno ficará incompleta. Qual o peso de cada uma? Como fazer e avaliar? Disso tratará a planificação, a metodologia didáctica e a avaliação.
AF
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Quiron
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Re:Escolas, Professores e Outros Profissionais - 26/07/06 10:07
Quando a escola se ocupa do que o aluno «deve saber» está a exercer a sua legítima competência; quando se ocupa do «como fazer», ainda está nesse terreno. Exorbita das suas competências, porém, e invade território que lhe devia ser proibido, quando se ocupa do que o aluno «deve ser». A «formação integral do aluno» é o slogan - sedutor como todos os slogans - dum totalitarismo dos mais abomináveis.
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antoniofigueiredo
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Pessoas que se comportam eticamente são mais raras - 31/07/06 14:07
Educação Integral
Cosme D. B. Massi - Diretor de Planejamento Estratégico Grupo Positivo
Introdução
A educação é tarefa de todos. Educam pais, professores, médicos etc., enfim, todos aqueles que desempenham tarefas socialmente úteis podem ser considerados educadores.
Embora a palavra ‘educação’ possa ser empregada nessa acepção ampla, trataremos, no entanto, de dotá-la de um significação mais especifica, a ser caracterizada nesse texto, quando a utilizamos adjetivada na expressão ‘Educação Integral’.
A expressão ‘Educação Integral’ está associada a uma outra expressão ‘Homem Integral’, que utilizaremos para caracterizar um certo tipo ideal de homem.
Neste texto, trataremos dessa educação integral; dessa arte de formar o homem integral.
O Homem Integral
O Homem Integral é o indivíduo essencialmente constituído e que desenvolveu ao máximo as três faculdades irredutíveis entre si: a faculdade de pensar, a de sentir e a de querer¹. As expressões pensar, sentir e querer serão empregadas para designar essas três faculdades. Ordinariamente, a referência a essas três faculdades é feita utilizando as expressões razão, sentimento e vontade².
O pensar e o querer são as faculdades ativas do homem integral, o sentir é a faculdade passiva. Nesse sentido, podemos dizer que o pensar e o querer partem do homem, o sentir acontece nele. A passividade da faculdade sentir é uma decorrência do fato de que o homem simplesmente se percebe “sentindo”, o sentir surge nele. Por outro lado, o pensar e o querer surgem dele. Podemos caracterizar a atividade e a passividade dessas faculdades pelas expressões ‘exercer um ação’ e ‘receber uma ação’. Quando o homem pensa, ou quer, exerce uma ação, quando sente, recebe uma ação.
Através do pensar, o homem raciocina, argumenta, representa, imagina, idealiza, calcula, julga etc. A ciência, a matemática e a filosofia são seus frutos mais importantes.
Pelo querer, o homem age, decide, realiza, executa uma ação etc., transformando o mundo e a sociedade continuamente. Nesse reino da vontade, o homem encontra o dever. O dever é a obrigação moral do homem para consigo mesmo e para com o seu semelhante. Com ele nos deparamos nas mais diversas situações da vida, desde às mais ínfimas, como nos atos mais elevados. Estabelecer como o homem deve agir nas mais variadas situações da vida é um dos atributos do querer. Como suas mais importantes realizações, temos a ética, a moral, o direito e a política.
Com o sentir, o homem percebe e recebe as impressões do mundo à sua volta e as do seu próprio mundo interior. As sensações físicas ou psicológicas, as emoções ou sentimentos são algumas das formas de ser desta faculdade notável. Dela nascem as artes e a estética, a música e a poesia.
Associados a essas três faculdades temos os mais importantes valores da cultura humana: a verdade, a beleza e a bondade.
As ciências e a filosofia investigam a verdade. A estética e as artes cultuam a beleza. A ética e a política visam o bem. A história da nossa cultura reflete uma incansável busca desses valores.
1 - René Descartes, em seu livro Paixões da Alma, apresenta essas três faculdades da alma. 2 - Descartes utiliza as expressões ‘pensamento’, ‘percepção’ e ‘vontade’.
As três formas de inteligência³
Podemos associar a essas três faculdades três formas principais de inteligência: a inteligência racional, a inteligência emocional e a inteligência volitiva.
Na tradição da filosofia e da psicologia a faculdade ordinariamente associada à inteligência é o pensar, ou, utilizando a forma tradicionalmente conhecida, a razão. Falar, portanto, em inteligência racional é pleonasmo. Em geral, sempre se considerou a razão como o patrimônio maior, e talvez único, da inteligência. Por isso desenvolver a inteligência significava quase que exclusivamente o desenvolvimento da razão ou do pensar. O homem inteligente é aquele que sabe pensar. É preciso ensinar a pensar, dizem freqüentemente. Fomos levados a acreditar que o papel mais importante do educador é ensinar a pensar.
Mais modernamente, entretanto, a inteligência emocional também tem sido difundida. Muito se tem falado da relevância dos aspectos emocionais no desenvolvimento da inteligência. O ensinar a sentir passou a fazer parte do vocabulário dos educadores, embora não com a mesma força do ensinar a pensar.
Pouco, no entanto, tem sido dito da inteligência volitiva, ou inteligência associada à vontade. O papel desta inteligência na formação integral do homem precisa ser melhor explorado. E a razão é simples. Nunca, como agora, os valores éticos e políticos se tornaram tão necessários. A sociedade moderna, no plano nacional e mesmo internacional, reconhece a importância dos valores éticos na conquista de uma vida mais justa. Aliás, direito e justiça resultam do uso adequado da vontade, ou do querer. Portanto, são frutos de uma inteligência volitiva bem desenvolvida.
Ousamos afirmar que a sociedade moderna padece as conseqüências de não ter dado a devida importância ao desenvolvimento da inteligência volitiva. Educadores, em geral, preocupados com a construção de uma sociedade mais justa, deverão assumir, como compromisso inadiável, a tarefa de desenvolver a inteligência volitiva. Uma educação para o desenvolvimento harmônico das inteligências racional, emocional e volitiva deve ser um dos mais importantes objetivos de uma instituição de ensino.
As escolas e instituições de ensino realmente comprometidas com a formação do homem integral, precursor de uma sociedade mais justa, precisam assumir o seu papel no desenvolvimento harmônico dessas três formas de inteligência. Será preciso tratar essas três formas de inteligência com a mesma importância. Dar ao sentir e ao querer o mesmo tratamento que tem sido dispensado ao longo da história para a faculdade pensar. Não apenas os valores da ciência, mas igualmente os do sentimento e da ética precisam ser constantemente aprimorados. Não basta ensinar o homem a pensar, é imprescindível fazê-lo cultivar os mais nobres sentimentos e a comportar-se eticamente, na construção de uma sociedade mais justa e feliz.
Vale ressaltar que essas três faculdades trabalham sempre em conjunto. Pois o homem, como ser individual, é uno. Essas faculdades devem ser vistas como três modos de expressão de um único indivíduo; três formas de ser de um mesmo indivíduo. O homem pensa, sente e quer ao mesmo tempo. Essa separação em três faculdades é apenas uma forma didática de descrição de um único indivíduo. Essencialmente o homem é um todo organizado.
Mesmo no ensino de uma ciência qualquer, embora a faculdade pensar pareça desempenhar o papel mais importante, o sentir e o querer são essenciais. Costuma-se dizer que ninguém aprende se não estiver suficientemente motivado. Ora, a motivação surge exatamente do uso adequado do sentir. O indivíduo sente motivação. A motivação precisa aparecer ou surgir passivamente no indivíduo, como resultado de algum estimulo externo ou interno ao indivíduo. O educador precisa saber o que provoca a motivação no educando, que estímulos deve usar.
Mas, não basta estar motivado, é preciso querer aprender. O esforço de concentração, a disciplina e o recolhimento são indispensáveis ao aprendizado de qualquer ciência. Esses valores só surgem no indivíduo pelo uso adequado da vontade.
O educador, para ser considerado um educador completo, precisa estar habilitado na arte de desenvolver, ao mesmo tempo e com o mesmo grau de intensidade, a inteligência racional, a emocional e a volitiva. Ensinar a pensar, a sentir e a querer passam a ter, para ele, a mesma importância.
Vale a pena insistir na importância do desenvolvimento harmônico dessas três faculdades.
É muito comum encontrarmos pessoas que desenvolveram muito apenas o pensar e que, dominadas pelo orgulho, tornaram-se arrogantes e presunçosas. Carecem da virtude mais importante na caracterização do homem sábio: a humildade. Sem a humildade perdem boas oportunidades de continuar aprendendo. Pensam que já sabem.
Existem indivíduos muito inteligentes e com grande habilidade de decisão, mas vingativos e perversos, verdadeiros déspotas.
Por outro lado, encontramos, também, indivíduos com bons sentimentos, boas pessoas, mas não conseguem tomar decisões corretas. São, com freqüência, iludidos, enganados pelos mais expertos.
As virtudes são conquistas do desenvolvimento harmônico do pensar, do sentir e do querer.
As instituições de ensino seriamente comprometidas com a educação devem não apenas formar profissionais com sólido conteúdo científico (inteligência racional), mas desenvolver o amor ao conhecimento, o sentimento estético e artístico que vincula o belo ao conhecimento (inteligência emocional) e, também, ensinar os valores éticos da ordem, do respeito, da liberdade, da disciplina e da seriedade (inteligência volitiva), tão carentes nos dias de hoje.
Reunidas num todo e elevadas ao mais alto grau de desenvolvimento essas três faculdades caracterizam o homem integral.
A utilização da expressão “integral” tem o propósito de realçar o fato de que todos os aspectos fundamentais do homem foram considerados nessas três faculdades, mesmo se utilizarmos o dualismo clássico de divisão do homem em mente e corpo. As três faculdades podem ser vistas como sendo as faculdades fundamentais desse homem dotado de mente-corpo (ou alma e corpo). O desenvolvimento delas significa o desenvolvimento dos atributos espirituais e físicos do homem.
Podemos aplicar ao homem integral a clássica expressão ‘Mente sã em corpo são’.
Os aspectos associados ao corpo e ao meio ambiente estão presentes, principalmente, no domínio da faculdade sentir. Esta faculdade é responsável pelas nossas sensações e paixões. As sensações e as paixões dependem do corpo e do meio ambiente. A dor, a sede, o cansaço, a fome, o calor, o frio, o prazer, o bem-estar e o vigor, entre outras, têm suas causas no corpo ou no meio ambiente.
O desenvolvimento do sentir exige a valorização de todos os aspectos essenciais para a saúde e o bem-estar físico. A boa alimentação, a prática de exercícios físicos, o cuidado com o meio ambiente devem ser preocupações do homem integral. As escolas que adotarem a educação integral devem incluir em seus currículos estudos e práticas relativas à saúde do corpo e do meio ambiente.
A beleza é o valor estético associado ao sentir. Não se trata apenas da beleza espiritual, mas, também, da beleza física (do próprio homem e do meio ambiente). Considerado como um ser uno, no homem o espiritual e o físico se interferem mutuamente. A beleza física e a espiritual se refletem entre si. O homem integral não descuida de nenhuma das duas. Reconhece os valores do espirito, da mesma forma que valoriza a higiene e a ecologia.
O homem integral é, portanto, um ideal a ser atingido. Um modelo a ser imitado. A educação integral é aquela que tem por fim o homem integral. É a educação para o desenvolvimento da inteligência racional, da inteligência emocional e da inteligência volitiva.
3 - Recentemente o psicólogo americano, Daniel Goleman, apresentou em um livro que se tornou um grande Best Seler as idéias básicas do que seria um conceito novo: a Inteligência Emocional. Na verdade esta expressão é uma redundância, a inteligência é uma só, nossa mente funciona como um todo integrado incluindo aspectos cognitivos, emocionais e volitivos. A novidade é a valorização dos aspectos emocionais da inteligência, os quais durante muito tempo foram negligenciados. Da mesma forma, pretendemos valorizar nesse artigo os aspectos volitivos da inteligência.
A Inteligência Racional
Como já enfatizado, toda a história da nossa cultura, em especial a história da educação, tem realçado o papel do desenvolvimento da razão no ensino das ciências e da filosofia. A todo o momento se fala no ensinar a pensar, no aprender a aprender.
Os sistemas clássicos de ciência e filosofia foram construídos em cima da noção de verdade. Conhecimento era caracterizado como crença verdadeira e justificada; verdade e justificação obtidas pelo uso adequado da razão. Muitas áreas de estudo não eram consideradas científicas exatamente porque não podiam ser justificadas adequadamente pelo uso da razão. A razão passou a ser a principal fonte de conhecimento. Todo o ensino passou a se preocupar quase que exclusivamente com o uso da razão.
Com o sucesso da matemática e da física nos séculos XVIII e XIX, o pensamento lógico-matemático passa a servir de modelo para todas as ciências. O ensino se concentra quase que exclusivamente no ensinar a fazer bom uso da razão, consoante os padrões já estabelecidos pela lógica e pela matemática. Como conseqüência, tivemos a matemática e a física como o modelo de ciência a ser imitado. Nessas ciências, o pensar atingiu o seu mais alto apogeu. Ainda hoje se considera como sendo as maiores inteligências do planeta os grandes matemáticos e físicos, consagrados pela história.
Nada há de mal nisso. Apenas demonstra o fato de se ter, na história da humanidade, enfatizado somente a inteligência racional, sem consideração das outras duas formas de inteligência. Grandes artistas, políticos e benfeitores da humanidade geralmente não são apresentados como grandes inteligências. Homens como Mozart, Gandhi ou Jesus, embora socialmente respeitados, não são apresentados como figurando entre as maiores inteligências do planeta. Entretanto, se fossemos classificá-los com os padrões da inteligência emocional ou volitiva eles seriam colocados no mais alto grau.
Vale ressaltar que o critério clássico, hoje já em descrédito, de aferição da inteligência, pelo quociente de inteligência ou QI, considerava, fundamentalmente, apenas a faculdade de pensar. Por isso, saber pensar virou sinônimo de inteligência.
As conquistas das ciências constituem o lado bom desta supervalorização da inteligência racional. O homem aprendeu a fazer uso da faculdade de pensar. O desenvolvimento desta faculdade não parou jamais. A cada dia, mais conquistas da razão, mais teorias são propostas. O conhecimento em todos os campos da ciência cresce exponencialmente. O conhecimento acumulado nos últimos cem anos já supera em muito todo o conhecimento acumulado desde os primórdios da humanidade.
Sem dúvida alguma a humanidade ganhou muito.
O lado mau pode ser encontrado nas conseqüências do desprezo dado às outras duas formas de inteligência. Os valores do sentimento e da moral sempre ficaram em segundo plano. Sempre foram considerados como pertencentes aos homens fracos e menos expertos. Muitas das conquistas da ciência viraram instrumento de violência e submissão. A violência e a guerra ganharam em requinte e sofisticação. O homem moderno sabe muito, mas sofre e é infeliz. Sem o sentimento e a vontade para conduzir adequadamente a razão, o homem moderno caminha como um viajante num deserto sem oásis. Sabe para onde ir, mas não encontra a água para matar a sede; sede de paz e de justiça; sede de amor e liberdade.
Para revertermos esse estado de coisas, é fundamental voltarmos nossos olhos para o desenvolvimento das inteligências emocional e volitiva. Sem as conquistas do sentimento e da ética o homem continuará sedento.
A Inteligência Emocional e a Inteligência Volitiva
Fala-se muito hoje em inteligência emocional. Gostaria apenas de ressaltar alguns aspectos que devem preocupar os educadores.
Quando a tarefa educativa está voltada para o desenvolvimento da inteligência racional, muitas metodologias de ensino já foram propostas por psicólogos e pedagogos. A experiência acumulada de muitos anos de ensino das ciências nas instituições especializadas permitiram o surgimento de muitas técnicas ou metodologias de ensino-aprendizagem. Sabemos razoavelmente como ensinar as diversas ciências. O sucesso das instituições de ensino em dar continuidade ao conhecimento científico acumulado atesta isso. Mesmo reconhecendo que muito ainda pode ser feito em matéria de ensino-aprendizagem, já avançamos muito. O mesmo, no entanto, não pode ser dito das inteligências emocional e volitiva.
Sempre tivemos pessoas notáveis que, isoladamente ou em pequenos grupos, deram grandes contribuições para o desenvolvimento dessas inteligências. No entanto, falando em termos sociais, podemos dizer que a preocupação com essas duas formas de inteligência é bem recente. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada pela ONU, ainda não completou sessenta anos. Como conseqüência, quase tudo ainda resta por fazer para o desenvolvimento dessas duas inteligências.
Considerando que as três faculdades são irredutíveis entre si, as metodologias de ensino aplicáveis no desenvolvimento de uma delas não necessariamente podem ser aplicadas no desenvolvimento das outras duas. Todo o acúmulo de metodologias para o ensino das ciências pode não ajudar muito. De fato, parece que o desenvolvimento dessas inteligências exige metodologias próprias.
Os valores do sentimento e da vontade parecem exigir, diferentemente dos valores racionais, muito mais ação e vivência. Não podem ser ensinados teoricamente apenas. O estudo de textos, a exposição oral, as técnicas de comunicação por meio da linguagem oral ou escrita parece que não são suficientes para o desenvolvimento das inteligências emocional e volitiva. Para essas, vale muito mais o exemplo do educador e a vivência do educando. Encontramos pessoas com pouca instrução formal, mesmo analfabetas, mas com grande senso estético e ético. “Vale mais o exemplo do que palavras”, diz a sabedoria popular. Sócrates ou Cristo se imortalizaram por aquilo que sentiram ou fizeram, muito mais do que pelo conhecimento racional que deixaram.
Diante disso, a postura do educador para o desenvolvimento do sentir e do querer no educando deve ser diferente. Não basta o conhecimento teórico; é preciso dar o exemplo. Não adianta tentar desenvolver no educando o gosto e a beleza do conhecimento (inteligência emocional) se o próprio educador não gosta de ensinar. É quase sempre em vão o esforço para ensinar aos educandos os valores dos sentimentos superiores, de paz, de respeito, de amor e fraternidade, se o próprio educador cultiva os sentimentos opostos de violência e desrespeito ao ser humano. Uma instituição de ensino que pretenda contribuir para o desenvolvimento do senso estético em seus alunos não pode descuidar da beleza e bom gosto de suas instalações. O ambiente esteticamente agradável, limpo e bem conservado além de ensiná-los a apreciar o belo, induz a um comportamento de limpeza e conservação. O metrô de São Paulo permanece limpo e bem conservado mesmo com a circulação diária de milhares de pessoas.
Como as três formas de inteligência constituem no homem um todo organizado, o desenvolvimento de uma favorece o desenvolvimento das outras. Por isso é muito mais produtivo estudar num ambiente esteticamente agradável, bonito e bem cuidado. O sentimento de prazer associado à beleza estética do ambiente favorece o prazer de estudar.
Conversei com alguns alunos que utilizavam freqüentemente a biblioteca de uma instituição de ensino para estudar e eles responderam “o local é bonito e agradável, sentimos muito mais prazer de estudar aqui do que em casa”.
Algo análogo ocorre no desenvolvimento da inteligência volitiva.
Para se aprender com seriedade e profundidade qualquer ciência são muito importantes a ordem e a disciplina. Sem ordem e disciplina o aluno tem dificuldade de controlar os próprios pensamentos. A imaginação desordenada ocupa totalmente a sua mente e ele não consegue o recolhimento indispensável ao estudo sério. É muito comum, mesmo durante uma boa palestra, o aluno perder a concentração por falta de disciplina. Seu pensamento se dirige para outros interesses e ele não consegue acompanhar um argumento mais elaborado. Ora, disciplina se aprende, principalmente, em ambiente disciplinado. O hábito de respeitar horários e compromissos, por respeito aos outros, só se conquista com o uso adequado da vontade. Aprender a controlar pensamentos e sentimentos é tarefa da inteligência volitiva.
A inteligência volitiva é a que menos tem recebido a atenção que merece. A razão talvez esteja no fato de que é muito mais difícil, dentro do modelo de educação tradicionalmente adotado pela sociedade que favorece apenas o pensar, o desenvolvimento desta forma de inteligência. É muito mais difícil agir eticamente do que pensar. Pessoas que se comportam eticamente são mais raras.
Isso, no entanto, precisa mudar. A sociedade moderna globalizada esta exigindo profissionais que não apenas saibam pensar, mas com habilidades de liderança e ação. Que saibam fazer uso adequado da inteligência volitiva.
É muito comum a queixa com respeito ao despreparo dos egressos das instituições de ensino. As instituições formam apenas bons acadêmicos (inteligência racional). Falta o ”senso prático”, a capacidade de liderar e tomar decisões, um comportamento ético elementar de seriedade e responsabilidade, a habilidade política etc.; em outras palavras, falta inteligência volitiva.
A inteligência volitiva esta associada ao querer, cuja fonte é a vontade. A vontade determina a ação. A ação transforma o mundo e as pessoas.
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