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Re:Organização escolar - 06/06/06 16:06 ATENÇÃO À REALIDADE QUE SE VIVE NAS ESCOLAS!

Li, incrédula, as propostas presentes no Decreto-lei para alteração do Estatuto da Carreira Docente. Muitos antes de mim já se pronunciaram, e bem, sobre as questões graves e subversivas presentes no mesmo. Optei, nesta carta, por chamar a atenção sobre um ponto, referido no artigo nº 46 - Itens de Classificação. Na alínea b) encontramos a seguinte exigência: Realização das Actividades Lectivas (cumprimento dos Programas Curriculares).
Quem trabalha como eu, há anos em diversas escolas deste país, compreende a minha estupefacção perante esta exigência. Passo a explicar.

Sou professora de História, no ensino Básico, há mais de 12 anos. Tenho tido muitas dificuldades nesta profissão/missão a que me dedico. Entre elas os milhares de Km que percorri no inicio da minha carreira, colocada várias vezes longe da minha família com dois filhos.Não foi fácil, foi psicologicamente e fisicamente esgotante, mas suportável.
Por incrível que pareça neste momento, sinto um cansaço e um desanimo que nunca antes havia experimentado. Sinto-me "esventrada" e atacada e destituída do meu orgulho profissional e daquela motivação e alegria que sempre me invadiam quando entrava numa sala de aulas. É verdade, sempre me sentia bem na Escola. Agora já não.
Que perseguição sem precedentes é esta que este M.E iniciou contra todos os professores deste país? Qual é o objectivo? Mudar algo? Assim? Desmerecendo e desautorizando....
Não entendo.
Em vez de nos atacar sem objectivo, quantas medidas não se poderiam implementar de valor? muitas. Algumas até permitiriam por em prática parte do novo E.C.D...
Quer um exemplo? Tenho 7 turmas a meu cargo, isso perfaz 173 alunos, aos quais devo atender com pedagogia diferenciada e personalizada. Em grupos de 25/26 jovens, uma vez por semana com cada turma.. Conhecendo os jovens de hoje, como decerto conhece, diga-me muito honestamente, acha possível?
A nossa profissão/missão é uma tarefa que nem um gestor altamente treinado, nem empresário com nervos de aço aguentaria durante um dia: levarmos com um grupo de jovens (25/26 de cada vez) sem interesse na aprendizagem, pouco educados e habituados ao entretenimento televisivo a interessarem-se pela História do seu país. Acha fácil?

De facto, muitos desses jovens, com altos défices de atenção e incapacidade de concentração, por vezes não querem e não colaboram, já para não dizer que perturbam a aprendizagem de outros. É um combate diário contra a insolência pura e simples, que nos leva grande parte do tempo disponível para as leccionações.

Querem agora sujeitar-nos a esta humilhação pública de sermos avaliados pelas famílias daqueles que avaliamos? Que princípio mais subversivo é este?
Responsabilizam, agora, os professores por não cumprirem os programas e, diga-me, como cumprir? A carga horária da minha disciplina está reduzida a uns míseros 90 minutos no básico, uma vez por semana. Ou seja, vejo os meus alunos quatro vezes no mês. Se fizer um teste, ou ficha de trabalho, são três semanas (uma aula de revisões, a do teste/ficha e a correcção) que passam sem avançar no programa. Consegui leccionar um pouco mais de metade do programa previsto, e olhe, há três anos que não dou uma falta. Acredite-me não é possível esvaziar mais os conteúdos sem se perder o carácter formativo e os saberes históricos essenciais. Sendo assim como cumprir? Talvez aumentando a carga horária das disciplinas consideradas estruturantes do pensamento? Nomeadamente, Geografia, História, Matemática, Português, Ciências e as Línguas, por exemplo. Contrariamente, os alunos são sobrecarregados com 12 disciplinas diferentes, onde é fácil perderem-se com ajuda dos seus, bem conhecidos, défices de concentração.
E a História do país e do mundo, tão formativa e que contribui, e muito, para o desenvolvimento de uma cidadania consciente, para tolerância com base no conhecimento de outras culturas, para a afirmação de uma identidade nacional, para o entendimento e relativização dos conflitos, entre tantas outras competências que procura promover, vai sendo desvalorizada e desconhecida pela esmagadora maioria dos jovens deste país....
Entretanto, os professores, no meio desta má gestão curricular, são responsabilizados pelo fracasso de políticas educativas, nas quais não tiveram uma palavra a dizer.

Natália Figueiredo Marques- Mealhada
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Organização escolar
claracaldeira 22/05/06 12:05
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Natália Marques 06/06/06 16:06
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LMartins 07/06/06 19:06