O Ensino Experimental Cooperação entre as Escolas Secundárias e as Universidades Uma Contribuição para o Debate Nacional sobre Educação Conclusões do debate realizado no Instituto Superior Técnico em 19 de Outubro de 2006 Introdução Dadas as crescentes necessidades de profissionais qualificados nas áreas de ciência e tecnologia, e a tendência para um cada vez maior afastamento de grande parte dos estudantes destas áreas, urge mobilizar os diversos graus de ensino para uma maior utilização do ensino experimental como veículo de ensino. Acreditamos que a utilização mais intensiva de ensino experimental nas escolas permitirá não só formar novas gerações de estudantes com uma sensibilidade mais profunda para as questões relacionadas com a ciência e a tecnologia, mas também tornar mais apelativas estas áreas, que cada vez enfrentam uma competição mais intensa de outros sectores. Entendemos ainda que a exposição ao ensino experimental é útil para todos os alunos, e não apenas para aqueles que pretendem seguir carreiras relacionadas com a ciência e a tecnologia, dado que estimula o espírito crítico, o gosto pela descoberta e a capacidade de adaptação a novas circunstâncias. Neste debate, um conjunto de investigadores, professores do ensino superior e professores do ensino secundário analisaram esta questão, com um especial foco nos mecanismos de cooperação e colaboração que poderão e deverão ser estabelecidos entre as universidades e as escolas secundárias por forma a potenciar os efeitos desta estratégia. Esta iniciativa enquadrou-se num conjunto de iniciativas levadas a cabo pelo Conselho de Laboratórios Associados, com o objectivo de reunir contribuições para o debate nacional sobre a educação. O debate foi organizado por investigadores dos Laboratórios Associados INESC-ID (Arlindo Oliveira), ISR-Lisboa (Pedro Lima) e Instituto de Telecomunicações (José Bioucas Dias). Integraram a mesa do debate os professores do ensino secundário Ludgero Leote, Rita Bastos, Mafalda Lapa, Francisco Melo Ferreira e Rui Baltazar, os professores do ensino superior Arlindo Oliveira, Pedro Lima, José Bioucas, Jorge Buescu, Jorge Dias de Deus, Arsénio Fialho e Teresa Duarte e um representante do núcleo de Física do IST, João Fortunato. Participaram ainda no debate numerosos membros da assistência, que contribuiram para as conclusões descritas neste documento. Após prolongada e acesa discussão sobre as questões levantadas pelos oradores e pela assistência, foram identificados diversos pontos que sugerimos que sejam considerados pelos decisores interessados em melhorar a qualidade do ensino das ciências em Portugal. Principais dificuldades identificadas e recomendações No decorrer do debate foram identificadas diversos factores que dificultam a cooperação entre os professores do ensino secundário e do ensino superior, e que reduzem a eficácia do ensino experimental nas escolas secundárias. Entre estas, são de destacar as seguintes: • Inexistência de estruturas permanentes que tenham como objectivo facilitar o contacto dos professores do ensino secundário com as universidades e centros de investigação. • Dificuldade em dinamizar os professores do ensino secundário para se inscreverem em cursos de formação específica, que tenham como objectivo melhorar a qualidade do ensino experimental nas escolas secundárias. • Inexistência de mecanismos que incentivem as universidades a investir na formação de professores do ensino secundário, e no estabelecimento de relações com escolas secundárias, por exemplo através da consideração como trabalho lectivo de docentes universitários o ensino de cursos de formação a professores do ensino secundário. • Baixa qualidade geral do ensino experimental nas escolas secundárias, causada por um número de factores entre os quais são de realçar as turmas demasiado grandes, a carga horária excessiva, a falta de condições físicas nas escolas e a formação em áreas inadequadas de muitos dos professores de Física. • Inexistência de uma posição do Ministério da Educação sobre o ensino experimental, e a sua importância. Houve consenso entre a mesa e a audiência que, para colmatar os efeitos negativos destes factores, seria fundamental: • Incluir um conjunto de questões nos exames nacionais de disciplinas com componente experimental que valorizem os alunos que tenham sido expostos a aulas experimentais e que tenham apreendido o seu significado. Desta forma, também os professores serão incentivados a leccionar componentes experimentais nas suas aulas. • Criar estruturas permanentes que apoiem o contacto entre os professores do ensino secundário e do ensino superior, permitindo estabelecer novos canais de comunicação acessíveis a todos os interessados. Estas estruturas permitiriam alargar a quantidade e qualidade dos contactos muito para além dos agora existentes, que são baseados essencialmente em redes de conhecimentos pessoais, inacessíveis a uma larga maioria dos potenciais interessados. • Criar mecanismos que beneficiem os professores do ensino secundário interessados em obter actualização e formação adicional em ciências experimentais, com ênfase nas áreas da biologia, física, química e geologia. • Criar mecanismos que recompensem as universidades e docentes universitários pelo seu envolvimento na formação científica de professores do ensino secundário. Neste contexto, é digno de estudo o caso do Infinity Project (http://www.infinity- project.org/), que é emblemático na sua capacidade de disponibilizar para as escolas secundárias material de apoio ao ensino experimental. • Analisar o impacto das alterações efectuadas ao nível do currículo do ensino secundário, com ênfase nos seguintes factores: o Desaparecimento da disciplina de técnicas experimentais, sem que fossem aumentadas as horas lectivas associadas às disciplinas das áreas experimentais (embora o desejável fosse uma redução de horas em outras disciplinas para que não seja aumentado o número de horas de ensino e ocupação dos alunos). o Formalização dos objectivos a atingir com a disciplina de Área de Projecto, que deveria ser aproveitada para direccionar uma fracção significativa dos alunos para a área das ciências experimentais. o Análise do impacto do tamanho das turmas na capacidade de levar a cabo experiência laboratoriais, devendo ser considerada a hipótese de leccionar as componentes experimentais em turmas de menor dimensão. Durante o debate foram também identificados diversos exemplos francamente positivos de colaboração entre o ensino superior e o secundário, entre os quais são de realçar, e continuar a apoiar: • A existência de um número significativo de iniciativas bem sucedidas de formação de professores e alunos em técnicas laboratoriais, das áreas da química, biologia e geologia. • O facto de muitas equipas de escolas secundárias participarem de forma cada vez mais activa em festivais e concursos de Robótica, tendo mesmo obtido lugares cimeiros em competições internacionais. • O facto de haver associações de professores do secundário bastante activas na realização de acções de formação para docentes e/ou alunos complementando assim as lacunas de algum ensino experimental ministrado nas escolas. • O papel positivo do programa Ciência Viva na divulgação da ciência no fomento do ensino experimental, e no estímulo de parcerias entre os diversos níveis de ensino. Conclusões O debate permitiu identificar um conjunto de problemas, desafios e dificuldades, mas também de possibilidades. O simples facto de ter constituído uma oportunidade para um contacto directo entre os professores dos diversos graus de ensino levou a um estabelecimento de ligações que poderão resultar frutuosas no futuro próximo. Dada o papel do ensino das ciências experimentais para o desenvolvimento do país, é importante continuar a desenvolver actividades que fortaleçam os laços existentes, e que permitam potenciar as capacidades instaladas. Este documento pretende representar uma contribuição construtiva para o debate, avançando com sugestões concretas e passíveis de implementação no curto prazo. Os signatários Participantes do Debate Arlindo Oliveira Pedro Lima José Bioucas Dias Ludgero Leote Rita Bastos Mafalda Lapa Francisco Melo Ferreira Rui Baltazar Jorge Buescu Jorge Dias de Deus Arsénio Fialho Teresa Duarte João Fortunato Carlos Cardeira