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Contributo da Associação “O Direito de Aprender” - 17/07/06 14:07 No dia 12 de Dezembro a Associação “O Direito de Aprender” organizou um Encontro de Educação e Formação de Adultos. Neste Encontro participaram diversas pessoas e Instituições que têm intervindo de uma forma activa nesta área. De salientar que na preparação do Encontro todos puderam dar o seu contributo através dum site criado especificamente para o referido Encontro.
Estas propostas são o reflexo das diversas intervenções ao longo desse Encontro.
Uma questão essencial: porque é que, num país como Portugal, onde hoje ainda a população adulta revela os mais baixos índices de escolarização e qualificação dos 25 Estados-Membros da União Europeia, nunca foi dada prioridade política à área da educação de adultos, da educação e formação de adultos?

A resposta comporta diferentes componentes. Por um lado, a falta, a ausência, de um movimento social forte dentro do sector, que tenha realmente capacidade de influenciar decisões políticas, de se mostrar e provar a sua relevância, como interlocutor incontornável, na concepção, execução, avaliação de políticas de educação de adultos. Isto significa que o sector é chamado hoje a organizar-se nesse sentido. E não só para influenciar uma eventual política nacional, mas também porque já existem, nos países parceiros da União Europeia, organizações que, a nível nacional, representam todo este movimento de educação e formação de adultos e com as quais Portugal não pode hoje dialogar, por não possuir uma estrutura representativa dessa dimensão.
Outro factor que explicará esta marginalidade será certamente o facto de se tratar de um campo relativamente indefinido, de fronteiras flexíveis, difíceis de traçar com muito rigor; daí resulta não haver, da parte dos poderes públicos, realmente, uma ideia muito clara do que seja a educação e formação de adultos, não sendo consequentemente considerada como uma área-alvo para políticas e programas específicos.
Porém, fundamentalmente, esta ausência crónica de uma política pública própria terá a ver com o facto de não ter ainda surgido em Portugal um governo genuinamente motivado para enfrentar a desigualdade económica e sociocultural, desde sempre endémica entre nós, através de uma política capaz de promover, de forma consistente e integrada, a expressão quotidiana da cidadania, a promoção educativa e cultural, a prosperidade material – para todos.
Este campo vasto e diversificado que é a educação e formação de adultos tem, precisamente, como uma das suas características essenciais, uma forte heterogeneidade, uma profunda diversidade, o que a distingue de graus ou níveis de educação oferecidos a outros níveis etários, como o pré-escolar, o básico, o secundário ou o universitário que apresentam uma certa unidade e fronteiras bem definidas. É isso que faz a riqueza da educação e formação de adultos, como é isso que faz também a sua fraqueza, no sentido de mais dificilmente poder ser pensado este sector como um objecto “natural” de política pública. Ora, essa diversidade, essa heterogeneidade, não são mais que o reflexo das características de uma população adulta, que também (felizmente, pois é isso que faz a riqueza das nações e das populações) é extremamente diversificada. E um dos princípios fundamentais na educação e formação de adultos é, precisamente, o de procurar ajustar-se, sempre e o melhor possível, às características próprias de todas e de cada uma das pessoas com quem se pretende trabalhar. Nesta perspectiva de ajustamento, de adequação, a cada pessoa, e também a cada grupo social ou a cada território, é natural que surjam experiências de uma enorme variedade, de uma grande diversidade, como é também natural e óbvio que se conclua pela impossibilidade de uma só instituição, de uma só organização, ter o monopólio de intervenção nesta área. Esta área é, fundamentalmente, um espaço de investimento – cívico e profissional, e até afectivo - para uma gama variadíssima de organizações e instituições. A educação e formação de adultos não pode, de facto, fazer-se sem a cooperação, a articulação, entre dezenas, centenas, milhares de organizações, com as suas características próprias, cada uma mais apropriada do que outra para intervir em determinado território, com determinado grupo social ou tipo de pessoas com quem prevê trabalhar.

A necessidade de contextualizar a educação e formação de adultos é fundamental neste domínio e, certamente, que teremos de pensar em dois tipos de instrumentos essenciais ao desenvolvimento, ao fortalecimento, do sector de educação e formação de adultos. Por um lado, a criação e consolidação de estruturas organizacionais específicas, como sejam as parcerias territoriais de educação e formação de adultos. Este trabalho – combinando modalidades formais, não-formais e informais - terá que ser feito, essencialmente, numa escala local. E porque uma intervenção contextualizada é fundamental, será necessário identificar todas as entidades, organizações e instituições que têm um papel real a desempenhar na área da educação e formação de adultos, procurando que se criem, que se reforcem, que se consolidem, assim, parcerias territoriais de educação e formação de adultos.
Por outro lado, estas parcerias deverão ser fundadas, criadas, definidas, em paralelo com a elaboração de um plano territorial integrado de educação e formação de adultos, que deverá surgir como resultado de negociações, articulações, de diálogos, de convergências ou divergências a nível territorial. É, de facto, vital, para o sucesso de uma estratégia de educação e formação de adultos, no nosso país, que surjam estas plataformas de negociação e consenso, onde instituições públicas e instituições privadas, parceiros sociais, instituições privadas de tipo empresarial e instituições privadas de tipo associativo, todas à volta de uma mesma mesa, possam acordar num plano com o qual sintam uma certa identificação. Um plano que, em seguida, seja implementado também em parceria, porque, se trabalha aqui, prioritariamente, no sentido da inserção social e da transmissão e aquisição de competências de base, pelo que fará todo o sentido contar também com parceiros que possam disponibilizar, estágios de trabalho em situação real; como é igualmente necessário que as escolas (de todo o tipo e de diferentes níveis, e incluindo, sem dúvida, as profissionais) façam parte destas parcerias territoriais.

De facto, a escola tem um trabalho muito importante a realizar nesta área de educação e formação de adultos, até para se auto-reformar, até para melhorar o seu desempenho, e não só em relação a adultos, como também no trabalho corrente com os “seus” grupos etários. A escola tem aqui, sem dúvida, um papel deveras importante, mas não se pode, todavia, aceitar que ela assuma o protagonismo no campo da educação e formação de adultos. Terá que desempenhar sempre um papel de parceiro entre parceiros, cooperando de igual para igual com as demais organizações intervenientes neste sector, muitas delas com uma longa experiência nesta área e com as quais a escola poderá aprender muito relativamente às metodologias específicas, aos processos específicos, que realçam a autonomia da educação de adultos.

Nestas parcerias, de base local, é de sublinhar o papel insubstituível das organizações de terreno, de natureza cívica e solidária, que trabalham nesta área há muitos anos e a vários títulos. Se estamos agora, esperamos estar, num momento de novo arranque para a educação e formação de adultos, esse novo arranque não pode nascer do zero, mas terá que enraizar-se no que já foi construído até hoje. Para isso, há que saber consolidar o que de bom, efectivamente, já foi feito, está a ser feito, em muitos pontos do país, muitas vezes, através de pequenas organizações invisíveis, de projectos escondidos pelo país fora, sem qualquer visibilidade e vivendo frequentemente, na marginalidade e em situação de muita dependência e precariedade, sob a pressão constante de obstáculos de vária ordem, sobretudo financeiros, mas não só.

Para que as parcerias tenham lugar e para que as organizações com grande experiência neste campo e com um trabalho bem ajustado a tipos específicos de participantes, (geralmente os mais desfavorecidos) desempenhem cabalmente o seu papel - um papel, sem dúvida, incontornável neste processo – há que reconhecer a necessidade de um enquadramento institucional e político mais propício à educação e formação de adultos em Portugal e às organizações da sociedade civil que vêm investindo neste campo. A educação e formação de adultos é a área mais crítica dentro do nosso sistema de educação e formação ao longo da vida e necessitamos, por isso, de algumas decisões muito corajosas neste domínio. Procurar e encontrar algumas soluções apropriadas para a educação e formação de adultos passará sempre pelo reconhecimento claro da especificidade do sector. Trabalhar com adultos não é o mesmo que trabalhar com jovens ou trabalhar com crianças. Trabalhar com adultos exige processos, metodologias, conteúdos, materiais e estruturas específicas, e muitas vezes exclusivas da educação e formação de adultos.

Uma pergunta final: será que os actuais poderes políticos vão manter aquilo que os dois governos anteriores fizeram, ou desfizeram, relativamente a este sector, ou, pelo contrário, pretendem enfim retomar uma orientação mais valorizadora da educação e formação de adultos, tal como a que já fora adoptada entre 1995 e 2002?
Deveria equacionar-se, neste momento, a recriação da ANEFA, certamente à luz da experiência dos seus dois anos de actividade. Faz, de facto, sentido pensar-se uma nova ANEFA, a quem se peça um papel sobretudo “facilitador”, considerando que a educação e formação de adultos não é sector que necessite de um serviço central a ditar ordens e encomendas, mas precisa certamente de um serviço central próprio – apoiado e legitimado por uma base social representativa de todas as organizações intervenientes nesta área - que seja capaz de enquadrar, de facilitar, a criatividade social, a experimentação social, sempre muito ricas mas fragmentadas, e numa constante situação de precariedade. Portanto, essa nova ANEFA deveria reflectir, dentro do seu papel facilitador, os tipos de concertação e de parceria necessários para, entre o sector público, o sector empresarial privado e o sector cívico solidário, se construir, em conjunto e nesta base tripartida, a educação e formação de adultos em Portugal como um verdadeiro projecto de sociedade.

Para além de uma estrutura específica, que realmente se considera necessária para revitalizar a área da educação e formação de adultos, urge também conceber e aplicar – igualmente com base num processo de participação alargada – um programa nacional específico para a população adulta. Aqui, a Comissão Europeia parece indicar-nos a boa direcção, pois está a prever para o período 2007/2013, para além do “Leonardo”, na área da formação profissional, três grandes programas no âmbito da educação: o “Comenius”, para as escolas em geral, o “Erasmus”, para as universidades e o “Grundtvig” para a educação de adultos. A Comissão reconhece, assim, formalmente, a autonomia da educação de adultos, na medida em que lhe dedica um programa específico, não o integrando em qualquer dos outros programas ligados a estabelecimentos de ensino ou de formação profissional.

Além disso, um programa nacional para a educação e formação de adultos deverá, por certo, inspirar-se em algumas iniciativas europeias que tiveram grande sucesso em Portugal, encontrando-se até na génese de muitas organizações e associações locais que hoje trabalham, e muito, na área da educação e formação de adultos, programas como o “Leader”, para o desenvolvimento rural, ou como o “Equal”, na área da intervenção social, isto é, programas geridos de uma forma descentralizada, na base de um plano de acção local, previamente acordado e negociado por parcerias territoriais, programas que se executam na base de contratos plurianuais, assegurando desta forma a estabilidade e continuidade tão necessárias ao bom desempenho e à eficácia de todos os processos de educação e formação de adultos.

Associação “O Direito de Aprender”
http://www.direitodeaprender.com.pt
Julho de 2006
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